quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Minestrone Cultural VIII

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O PATATIVA

Mais textos deste blog sendo usados como fonte para teses de doutorado na USP e na UNB. O ego agradece.



O VENTO E O BENTO


O clássico de Victor Fleming, "...E o Vento Levou", com Vivien Leigh e Clark Gable, estreou em dezembro de 1939 nos Estados Unidos, e em setembro de 1940 no Brasil. E é claro que o grande revisteiro Freire Junior e a atriz cômica Alda Garrido não perderam tempo e criaram às pressas um espetáculo de Revista satirizando o filme, "E o Bento... Levou", e o colocaram em cartaz já em outubro. (25/09/2016)

1909


O Barão do Rio Branco era chanceler de Affonso Penna. Vejamos o que diz esse comercial de "Manah", um fortificante qualquer (na verdade sacarose de tamarindo composto):

“Seu Barão, o que devo fazer para ficar forte e bonito como o senhor?”. O Barão responde: “Deves te alimentar com o milagroso Manah, que além de ser atualmente a salvação das crianças, ainda oferece um prêmio de 500$000”.

O detalhe é que os publicitários da época não contrataram o venerando barão, que jamais cederia sua imagem para um anúncio idiota como esse. Não era assim que funcionava. E Rio Branco tem em sua história uma nota de roda-pé como garoto propaganda do MANAH.

Pelo menos o bom e balofo barão foi chamado de "forte". E morreu três anos depois.

Este aqui é da série "Anúncios apelativos da década de 30":

(27/09/2016)


AYN RAND - A SENSE OF LIFE (1997)


Maravilhoso.

É catártico ver tanta inteligência em uma pessoa, e tal facilidade em transmiti-la. Ayn Rand desconstrói filosofia, política, sociologia, antropologia e psicologia, e realiza façanha que apenas um punhado de pessoas antes dela realizou, ao longo dos séculos: explicar de maneira clara, simples, concisa e envolvente, o segredo da felicidade.

Um bom documentário sobre um dos mais admiráveis seres pensantes de nossa história. (08/10/2016)

NIHIL SUB SOLE NOVUM


Caramba... ontem a página do Harold Lloyd postou uma montagem divertidíssima mostrando como o poster do filme mais recente de Keanu Reeves, John Wick 2, é idêntico ao poster do filme Two Gun Gussie, de Lloyd, lançado em 1918.

Hoje a página simplesmente deletou a postagem. Será que ficaram com medo de melindrar os produtores do filme de Reeves?? Bom, seja qual for a razão, refiz a montagem e posto novamente, só de birra. (12/10/2016)

MÁRIO PAMPONET

Mário Pamponet, Luis Avelima, Humberto Mesquita, Bernardo Schmidt e Synesio Jr.

A vida passa mesmo em um segundo. Naquele dia de fevereiro de 2014 fui haurir conhecimento e experiência roçando ombros com esses quatro coringas de nossa imprensa, de nossa televisão, de nossa música, de nossa cultura, enfim, de nossa arte. Da esquerda, Mário Pamponet Júnior, Luis Avelima, Humberto Mesquita e Synesio Júnior.Como não aprender com eles? E como não apreciar cada minuto da prosa que seguiu, terminado o programa de rádio que gravamos, e que seguiria eternamente se não tivéssemos que ir embora em algum momento?

A conversa andou pelo Pinga-Fogo, pela Bandeirantes, pelo velho João Sayad, pela Secretaria Municipal de Cultura, dali para a música, Caetano, Gil, Inezita Barroso e quando menos percebemos, estávamos às gargalhadas em plena Paulista com Avelima em verdadeira conjuração de Alaíde Costa! Sim, porque aquilo já transcendeu a imitação para virar uma coisa quase mediúnica.

Hoje perdemos Mário Pamponet. Fica a tristeza de não ter convivido mais com ele. Mas fica também o privilégio de tê-lo conhecido e abraçado. Obrigado, Mário! (25/10/2016)

DE WONKA PARA WONKA



Interessantíssimo saber o que o maravilhoso e recentemente falecido Gene Wilder pensava sobre o horroroso remake de Tim Burton para o clássico Willy Wonka and the Chocolate Factory.

Concordo com ele em quase tudo. (11/11/2016)

THE ADVENTURE OF SHERLOCK HOLMES'
SMARTER BROTHER (1975)




Gene Wilder alcançou o olimpo de Hollywood depois de seus três filmes com Mel Brooks, sua parceria com Woody Allen, o Willy Wonka dirigido por Mel Stuart e tudo o que fez naquele primeiro lustro da década de 70. Em 1975, dono de um dos maiores cachês da indústria, resolveu partir para a carreira solo. Escreveu, dirigiu e protagonizou "The Adventure of Sherlock Holmes's Smarter Brother", no qual interpretou um irmão mais novo e menos talentoso do famoso detetive de Conan Doyle.

Wilder trazia patentes a influência de Brooks e a memória afetiva de um passado que efetivamente não viveu, exceto (creio eu) pelo relato de pais e avós. No caso do primeiro temos a comédia pastelão, as piadas por vezes quase infantis e a presença de 80% do cast estável de Brooks, como Madeline Kahn, Dom De Louise e Marty Feldman.

Madeleine e Gene em foto promocional do filme
Quanto ao passado, a história ocorre na última década do século XIX e todo aquele período parecia ser fetiche de Wilder. Em tudo: interpretação, música, dança, comportamento, vestuário e assim por diante.

Outra impressão clara que se tem é a de que o filme é uma declaração de amor de Wilder a Madeleine Khan. Nunca ela foi mostrada de forma tão generosa, tão intencionalmente em primeiro plano, assim como em nenhuma performance ela logrou ser a um tempo linda, engraçada e cantora brilhante. Tudo nela pode e deve ser admirado, em cada cena. Que outra razão poderia haver para que Wilder incluísse, no produto final, três números musicais inteiros protagonizados por ela, sendo que não são capitais para o enredo e deles poderia haver apenas trechos? Entre eles há que citar "You don't love as I do", de 1923, precedendo o atentado sofrido pela personagem de Kahn, no teatrinho de vaudeville primorosamente recriado. Ela é o diamante dessa coroa. Wilder ter deixado de lado por instantes a comédia rasgada, aproveitando a magnífica voz de Kahn, sua beleza e seus dotes dramáticos (ou tragicômicos), é um de seus múltiplos presentes para a posteridade. 

Outro deleite é a inexplicável "The Kangaroo Hop", de 1912, que surge do nada e vai para o nada. E ainda assim, é número adorável, divertido e quase comovente do filme, com Wilder, Kahn e Feldman cantando e pulando como crianças. O elemento surrealista da coisa toda me trouxe a grata lembrança de Peter O'Toole cantando "The Varsity Drag", em "The Ruling Class", lançado pouco antes. Era provável reflexo da época, da necessidade de quebrar aqueles medalhões do início do século.

É lugar-comum dizer isso, mas trata-se tão somente de "admirável esforço para um trabalho de estréia". Tem música, comédia, romance e ação. Num nível superficial, mas também super-valorizado pelo elenco.

Recomendo. Eram todos gênios. Wilder, Kahn, Feldman e o querido Dom De Louise.

No video, as cenas completas de "The Kangaroo Hop" e "You don't love as I do". (14/11/2016)

TBT 1991

Com Paulo Autran no Head Office, em 1991

Um bonito prédio comercial acabava de ser inaugurado na Joaquim Floriano, quase esquina com São Gabriel, ao lado do Pão de Açúcar. No térreo, um restaurante luxuosíssimo e uma sala pequena de espetáculos com o nome do prédio: "São Paulo Head Office". Assisto o "Quadrante", monólogo de Paulo Autran. Pela primeira vez via no palco o amado e saudoso mestre.

No fim vou ao camarim, nervoso, me apresento singelamente como mais um de seus admiradores e dou-lhe um abraço emocionado. A seu lado estava (lindíssima, por sinal) Zizi Possi. Troco duas palavras com Paulo sobre o espetáculo e confesso-lhe minha ignorância com a poesia - que permeava o "Quadrante" - e minha dificuldade em compreendê-la e desfrutá-la. O mestre me diz, com toda a sabedoria que guardava por trás dos olhos bicolores: "Toda a boa poesia é acessível". (17/11/2016)

TBT 2003

Chico e Sérgio, 2003

Em 2003 fui assistir Sérgio Britto e Cleyde Yáconis em "Longa Jornada Noite Adentro" no Centro Cultural Banco do Brasil, aqui em São Paulo, e trombei com Chico de Assis. Lembro que o cumprimentei e ele apontou para o livro que eu levava debaixo do braço (a biografia de Leopoldo Fróes escrita por Raymundo Magalhães Jr.): "Esse sujeito (Magalhães) até soneto inventou, dizendo que era do Machado de Assis", referindo-se ao desastroso trabalho em 4 volumes, de Magalhães sobre Machado.

Eu não resisti, pouco depois, e disse a ele: "Chico, você está a cara do Mário Covas!", que morrera apenas dois anos antes. Ele riu e respondeu na hora: "Pois é, mas é de propósito! Estou aqui incorporando ele!"

Na saída dos atores, aproveitei para eternizar esse belo encontro de titãs. (22/12/2016)

TBT 2010

Com Liza e Flávio, 10/10/2010

No Teatro Santo Agostinho, onde fui assistir meu irmão Flávio Guarnieri protagonizando "O Advogado de Deus", de Zibia Gasparetto (ditado por Lucius), dirigida por Valdir Ramos com Liza Vieira, Denis Derkian e outros.

Eu acabava de sair do hospital. Estava tão anêmico que mudei o filtro de cor da foto, na época, para ficar menos pálido. Mas meu hoje saudoso mano merecia essa deferência. Quanto à Liza, continua igual há 40 anos.

Saudade. (01/12/2016)

25 ANOS SEM ERIC CARR

A reportagem feita graças à minha insistência

Em 24 de novembro de 1991 morreu o imenso Freddie Mercury, vocalista do Queen, aniquilado pela AIDS, espalhando tristeza e comoção por todo o mundo. Lamentei muito sua morte; o Queen foi a primeira banda de rock que gostei e que me abriu as portas para todo o universo de hard rock e heavy metal que fui curtir tão intensamente por toda a década de 80.

Mas houve outra morte naquele mesmo dia, que senti de forma ainda mais profunda: a do baterista do KISS, Eric Carr, aos 41 anos, vitimado por um câncer brutal no coração e pulmões.

O KISS foi minha banda favorita por anos e anos, e as notícias que chegavam ao Brasil naquela época pré-internet, sobre Eric, eram poucas e superficiais. Não havia MTV ou qualquer outro canal especializado em música, o KISS estava em uma época relativamente decadente então era ignorado pela mídia, e nós, fãs da banda, nunca chegamos a saber a gravidade de seu estado de saúde. Sabíamos que estava doente, mas sequer poderíamos imaginar que era terminal. Recebemos sem qualquer preparo a notícia de sua morte.

Não encontrando uma única nota sobre o assunto nos jornais do dia seguinte, tomei a iniciativa de ligar para a editoria da Folha Ilustrada, caderno artístico da Folha de S. Paulo. Reclamei com quem atendeu o telefone: "Por que é que vocês não noticiaram a morte do Eric Carr??" Fui transferido, e depois da mesma reclamação ser feita para 4 ou 5 pessoas que não faziam idéia do que eu estava falando, ou a razão de minha reclamação, veio ao telefone, para a minha extrema sorte, o editor. Infelizmente esqueci o nome do sujeito (de sobrenome "Cavalcanti") e não encontrei nos números antigos da Folha que pesquisei no acervo digital.

Eric, na turnê de Crazy Nights
Ele foi gentil, confessou que ninguém ali sabia direito quem era o baterista do KISS e ouviu meu palanfrório de tristeza e indignação com a maior paciência. No fim perguntou: "Você tem fotos dele?" Sim, eu tinha centenas de fotos dele. O editor então prometeu que um artigo seria publicado assim que o motorista da Folha viesse ao meu apartamento e retirasse as fotos. Empolgadíssimo, separei minha coleção inteira de revistas, uma tonelada de material, e entreguei ao motorista, que apareceu mais tarde.

E eis que na quarta-feira, 27 de novembro de 1991, a Folha publicou uma notinha serôdia sobre o falecimento de Eric Carr, utilizando foto que vinha de uma revista alemã que fazia parte da minha coleção. Como fã enlouquecido e sem noção, estranhei que não dedicassem uma página inteira a Eric, mas fiquei muito feliz de ver que meu empenho pessoal impediu que sua partida tão prematura passasse em brancas nuvens pela imprensa brasileira.

Saudades do bom Eric Carr. (24/11/2016)


MIRAI SHÔNEN KONAN (1978)


Miyasaki vintage. Série de TV com 26 episódios de meia hora sobre Conan e Lana, duas crianças às voltas com a ganância, a maldade e as agruras de um mundo pós-apocalíptico. Embora fosse um trabalho de equipe, Miyasaki dirigiu, foi responsável por grande parte dos storyboards e estava no departamento artístico. Identificam-se claramente alguns dos temas que ele desenvolveria nas décadas seguintes, bem como a personalidade de seus personagens.

A ver, como tudo aquilo que saiu da mente e das mãos privilegiadas desse gênio que é Hayao Miyasaki. (02/12/2016)


"OS SETE SAMURAIS" E "THE MAGNIFICENT SEVEN"

O poster, original japonês, de
"Os Sete Samurais"
Com o recente lançamento de "The Magnificent Seven", dirigido por Antoine Fuqua, resolvi conhecer de uma vez seus antecessores. Vai um rápido comentário:

O projeto original é de 1954, quando Akira Kurosawa roteirizou e dirigiu a primeira de suas obras-primas, "Os Sete Samurais". O filme é ambientado no século XVI, período que sucedeu uma série de guerras civis que anarquizaram o Japão e deixaram inúmeros povoados à mercê de bandidos e saqueadores. Conta a história de um pequeno grupo de camponeses cansado de ter suas colheitas roubadas, e que sai à caça de samurais que se comprometam a defender seu vilarejo.

Sem entrar nos detalhes - pois para isso seria necessário um longo artigo - uma das múltiplas qualidades do trabalho de Kurosawa é a criação dos personagens; cada samurai tem uma personalidade distinta, extremamente bem delineada e, em geral, complementar. Toshiro Mifune, no início do que seria sua gloriosa parceria com Kurosawa, brilha em cada cena, como Kikuchiyo. O mesmo ocorrendo com o Kiuzo de Seiji Miyaguchi, o Kambei Shimada de Takashi Shimura e assim por diante. Até mesmo o romance, em filme tão agrestemente masculino, funciona perfeitamente, entre o jovem Katsushiro, de Isao Kimura, e a voluntariosa e moderníssima Shino, de Keiko Tsushima.

Em 1960 o ator Yul Brynner deu a um produtor a idéia de um remake hollywoodiano do filme de Kurosawa. "The Magnificent Seven" tomou a forma de um faroeste passado no fim do século XIX, no qual pistoleiros famosos e algo decadentes são cooptados por camponeses de um vilarejo de mexicanos constantemente achacado por uma quadrilha. O filme, dirigido por John Sturges, mantém a espinha dorsal de "Os Sete Samurais" com poucas alterações. O Chris de Yul Brynner é o Kambei Shimada de Takashi Shimura. Kikuchiyo e Katsushiro são fundidos em um único personagem, Chico; o Britt de James Coburn emula propositalmente o personagem Kiuzo, e assim por diante.

Uma das inovações é dar personalidade ao líder da quadrilha, que no filme japonês passa em brancas nuvens e no filme de Sturges tem grande destaque na figura de Eli Wallach.

Considerado o maior faroeste de todos os tempos, está muito longe disso, em minha modesta opinião. Acredito que tem dois pilares poderosos de sustentação e de entretenimento, sendo o primeiro o extraordinário carisma de seu elenco principal, que traz atores maravilhosos como Brynner, Steve Macqueen, Charles Bronson, Robert Vaughn e os já citados Coburn e Wallach. E em segundo, a lendária trilha sonora de Elmer Bernstein, utilizada durante décadas nos comerciais do cigarro Marlboro. Suas duas horas, entretanto, não chegam aos pés das três horas e vinte sete minutos do épico de Kurosawa. Também não alcançam a profundidade de cada um de seus personagens, ou o "pathos" de seu destinos.

Embora em muitos aspectos seja um filme de ação, "Os Sete Samurais" tem uma atmosfera sombria, constantemente chuvosa, que espelha o ânimo dos camponeses; cada rasgo de sentimento é intenso, violento, como que contrastando com a tristeza da existência miserável de todos. O olhar de admiração que Katsushiro dispara na direção de Kiuzo, quando este rouba um mosquete dos bandidos, é uma obra-prima por si só; o monólogo de Kikuchiyo, amaldiçoando seus ancestrais fazendeiros é uma pérola de emoção e interpretação; a cena em que Shino praticamente pede para ser violentada por Katsushiro é digna de uma antologia sobre o feminismo; o velho do vilarejo é um personagem quase macabro, assustador em sua sabedoria. A contra-parte americana de cada uma dessas cenas é superficial e insípida, em comparação. O filme americano é asséptico, bonitinho. E quanto ao velho do vilarejo mexicano, é um senhorzinho simpático e divertido, que fala de mulheres e afirma ter 83 anos, quando aparenta no máximo uns 60.

É um bom filme. Mas não passa disso. E mesmo assim teve três continuações, sendo que apenas Brynner participou da segunda. As outras duas poderiam ser filmes à parte, mas mantiveram o DNA do primeiro na tentativa frustrada de auferir alguns cobres na bilheteria.

Este ano Antoine Fuqua resolveu ressuscitar a franquia mas recauchutou a coisa toda. A idéia de sete justiceiros impondo ordem permanece e a época em que se passa é a mesma do filme de Sturges. O vilarejo, os camponeses e o vilão, porém, deixaram de ser mexicanos. Trata-se de uma verdadeira cidade do velho oeste que foi dominada por um bandido de colarinho branco, interpretado por Peter Sarsgaard. A personagem feminina é agora uma mulher que teve seu marido assassinado a sangue frio por Sarsgaard e se torna praticamente a oitava magnífica. Os pistoleiros são na nova versão uma espécie de delegação da ONU: há um negro - Chris é agora Chisolm, interpretado por Denzel Washington - um mexicano, um índio, um oriental e três americanos brancos. Nenhum deles guarda qualquer semelhança com os personagens dos filmes anteriores.

É entretenimento leve. Completamente raso, sem sequer sombra do oceano psicológico dos personagens de Kurosawa. Só que hoje o filme do japonês está num passado distante e os jovens nunca nem ouviram falar dele. Podem, por essa razão, apreciar sem quaisquer idéias pré-concebidas, o filme de Fuqua. Denzel continua muito bom; Chris Pratt fez o mesmo papel em todos os filmes de que participou, ou seja, o galã idiota; os excelentes e talentosos Vincent D'Onofrio e Ethan Hawke são tristemente sub-aproveitados e dos outros não há maiores recordações.

Minha recomendação única: assistam os três na seqüência cronológica. (13/12/2016)

BEIJO NO GORDO!

O privilégio de ser entrevistado pelo gordo, em junho de 2013

Foram 26 anos de programa, contando os dez no SBT e os dezesseis na Globo.

Na década de 80 eu assistia o programa de Carson todas as noites, quando estava nos Estados Unidos, bem como a Letterman (que vinha logo depois, na NBC), Arsenio Hall, retardatários como Pat Sajack e Dennis Miller, etc., e conhecia, portanto, o formato do talkshow. Estranhava que nunca se tivesse tentado nada semelhante no Brasil. Jô tentou.

Johnny Carson
Sempre condenei o fato de que a parte efetivamente humorística do programa se limitasse ao monólogo, em geral pouco inspirado. Era para mim o mais supremo contra-senso. Jô queria continuar fazendo o humor que o celebrizara, mas parece ter ignorado o fato de que o talkshow era eminentemente um programa de humor. Não por coincidência, 99% dos apresentadores vinham da comédia, de um jeito ou de outro.

Carson e Letterman tinham monólogos duas vezes maiores do que o de Jô, e ocupavam toda o primeiro bloco do programa com sketches de humor e personagens, no caso de Carson, e com as mais fantásticas palhaçadas, improvisadas ou muito bem elaboradas, no caso de Letterman. Depois vinham as entrevistas, quase que como uma sobremesa para o prato principal que já viera antes. Os programas de ambos - assim como de todos os outros - contavam com uma equipe de dez ou vinte redatores. Os monólogos estavam longe de ser uma sucessão boba e insípida de piadas; eram o extrato das notícias do dia, nos Estados Unidos e no mundo, transmitido com o intuito de fazer rir, além de informar.

David Letterman
Letterman inovou, inclusive, realizando sketches memoráveis com artistas do primeiro time hollywoodiano. Estes adoravam participar porque era humor da melhor qualidade, feito de forma despretensiosa e divertida. Nunca esqueço um programa em que ele utilizou ninguém menos do que Paul Newman e Zsa Zsa Gabor em inserções absolutamente hilárias, do mais puro nonsense. Bill Murray foi um campeão dessas palhaçadas, assim como Steve Martin, Bruce Willis, Alec Baldwin e assim por diante. Mais do que isso, Letterman foi para as imediações do Ed Sullivan Theater e pinçou por ali coadjuvantes de seus quadros de humor, como Rupert Jee (com quem eu trombei em NY, em 1997), os vendedores bengalis Mujibur e Sirajul, etc.

Jô tinha cacife para fazer tudo isso porque é inteligente, culto, preparado, e é amigo de 90% do meio artístico, mas optou por uma produção enxutíssima, de poucas pessoas e um ou dois redatores, onde brilhou durante duas décadas o velho Max Nunes. Era um bela homenagem ao grande redator que Jô admirou por toda sua vida, mas agrilhoou o processo criativo do programa, que não teve como sair daquela linha de humor que já estava, infelizmente, ultrapassada. Vez por outra era repetido um sketch em que Jô entrevistava uma velhinha engraçadíssima nas ruas de Porto Alegre. Foi precisamente o que faltou ao programa. Mais sketches desse tipo. Letterman os apresentava diariamente, com ele ou com seus sidekicks, como Calvert Deforest, o contra-regra Biff Henderson, o cue-card guy Tony Mendez, etc.

Houve tentativas, como transformar Derico em "assessor para assuntos aleatórios", os clipes em que anunciavam o novo e-mail do programa na Globo, a busca por uma namorada para o pianista Osmar, o bullying com o garçom chileno, e etc., mas foram poucas e de vida efêmera. Não sei se Jô conseguiria dividir os holofotes com um sidekick, mas acho que faltou-lhe sempre um Ed Macmahon ou um Paul Schaeffer. A banda teria que ter papel maior. Carson tinha no maestro Doc Severinson um segundo sidekick, além de Macmahon; Letterman utilizava todo seu staff em sketches, desde o narrador Alan Kalter, passando por Schaeffer, até o presidente da CBS, Les Moonves.

O resultado é que o gás criativo terminou em determinado momento e o público passou a ser bombardeado todas as noites, durante o monólogo, por piadas que surgiam na internet, ou as chamadas pérolas do Enem. Uma ou outra vez isso tem sua graça, mas os talkshows nos quais Jô se inspirou jamais teriam permitido a exploração diária de material não-original dessa forma.

Jô em 1988, primeiro ano do "Jô Soares Onze e Meia" (Rubens Mano - Folhapress)

Jô em 1988, primeiro ano do "Jô Soares Onze e Meia" (Nani Gois - VEJA)

Também não aprovei seu excessivo envolvimento pessoal em determinados assuntos. Carson e Letterman passaram 30 anos entrevistando figuras políticas das mais variadas orientações ideológicas ou programáticas. O objetivo foi sempre um só: o entretenimento. Especialmente Letterman, cujo humor era mais escrachado e descompromissado. Jô deixou, em ocasiões emblemáticas, que seus próprios pontos de vista não apenas dominassem o tom de algumas entrevistas, mas descambassem para a mágoa pessoal, o que por vezes provocou a irritação do público e impediu que figuras interessantes retornassem a seu programa. Nessa área são marcantes os casos de Wilson Simonal, Hélio Fernandes e Luiz de Orleans e Bragança, entre outros.

No lado político, foi relativamente perdoável que Jô apoiasse de corpo e alma, por exemplo, o impeachment de Fernando Collor, ridicularizasse as idiossincrasias de Itamar e não fizesse vista grossa aos inúmeros erros e incoerências de Lula na presidência, o que teve como conseqüência a recusa dos três de voltarem ao programa.

Dilma e Jô
Já a entrevista chapa-branca com Dilma, no momento mais crítico do naufrágio de seu lamentável governo, é deslize inexplicável que acertou seu prestígio em cheio quando o programa entrava na reta final. Ao invés de submetê-la ao justo pelourinho de uma entrevista com um público que não fosse sua claque habitual, deixando-a vulnerável e açulando sua sinceridade com perguntas incisivas, esclarecedoras, mas sem esquecer do humor e permitindo inclusive que ela mostrasse sua humanidade (o que provavelmente suscitaria muito mais simpatia do que ódio), ele foi entrevistá-la no conforto e na segurança do Planalto, onde o que se viu foi um encontro blandicioso e estéril que nada esclareceu, a exemplo do que ocorreu recentemente no Roda Viva com Michel Temer.

Por outro lado, diga-se, "As Meninas do Jô" foi uma das melhores coisas introduzidas por seu programa, na TV. Uma mistura exata de informação e entretenimento.

Lilian Witefibe, Lúcia Hipólito, Ana Maria Tahan
e Cristina Lobo: As Meninas do Jô
(Zé Paulo Cardeal - TV Globo)
Feitas essas colocações, eu ficaria dias enumerando entrevistas memoráveis. Assisti o "Jô Soares Onze e Meia" desde a primeira noite, então tenho minha memória repleta de lembranças. O Ultraje a Rigor cantando a música "Filho da Puta", que as rádios haviam censurado dias antes; Ney Latorraca e Marco Nanini matando as pessoas de rir, falando sobre o eterno Irma Vap; o velho brigadeiro Burnier obrigando um Jô de saco cheíssimo a ler intermináveis documentos (se não me falha a memória) sobre Aragarças; o saudoso Patrick Swayze, bem-humorado e divertido; Maluf, candidato em 89, trocando de sapato com Jô, por conta do anúncio que fez na época, para a Vulcabrás; Caetano indignado, olhando diretamente para a câmera e chamando o jornalista do New York Times de "canalha", tendo a seu lado um Gil calmo e sorridente; Dercy Gonçalves desafiando a quem tentasse calar sua verve pouco ortodoxa: "Venha! Venha que eu dou-lhe uma bucetada!"...

Dercy e Jô
Jorge Dória me fez gargalhar sonoramente (como sempre) com a história que contou a Jô: "Lembra do fulano? Sabe que ele morreu, né? Ele era amigo de beltrano, que já morreu, e fez tal coisa com sicrano, que já morreu, e ambos trabalhavam para não sei quem, que já morreu", e seguiu em frente, em meio às risadas do público, até que Jô intercalou: "Por enquanto só estamos os dois vivos, pelo jeito"; o querido Oswaldo Loureiro, depois de muita insistência, deu uma palinha de sua magnífica voz de barítono; Quércia cantou e tocou no violão uma música caipira; Geraldo Magela explodiu como comediante depois de sua entrevista a Jô; Chico Buarque deu uma de suas poucas entrevistas a Jô, para lançar seu livro "Estorvo"; Tom Jobim encantou a todos meramente por estar ali, vivo e espalhando a imensidão de sua presença; Roberto Carlos esteve lá pela primeira vez ainda no SBT, depois de longa negociação com a Globo, ressentidíssima com a partida do gordo e dificultando em tudo que era possível a presença de globais no programa da concorrente...

Juca e Jô
Juca Chaves dava uma aula de inteligência cada vez que comparecia. Em uma das ocasiões cantou uma de suas músicas, e nunca esqueci do fim: "Se bicudo vem de bica e se grota vem de gruta, conforme a palavra indica, deputado vem de puta"...

Celso Pitta, estomagado com as piadas de Jô sobre sua administração, resolveu vingar-se retendo o "habite-se" dos estúdios da Berrini até o o último segundo possível, horas antes da reestréia de Jô na Globo; Francisco Milani brilhou no programa de estréia, no papel de um contra-regra atrapalhado que fazia os últimos reparos nos cenários do programa quando ele já tinha começado. O sketch terminou com um holofote se espatifando no centro do palco.

Curiosamente, embora o programa tenha durado dezesseis anos na Globo, portanto seis a mais do que no SBT, o grosso de minhas recordações vem da primeira fase. Talvez seja cedo demais para recordar o período Globo. 


Estive em gravações de seu programa inúmeras vezes no SBT, logo no início, e fui entrevistado por ele em 2013, na Globo. Uma experiência inesquecível. Abaixo, fotos que tirei de gravações que assisti no Sumaré:

O grupo Ira dando entrevista a Jô em 1991
Jô entrevista o ministro FHC em 1993, sob o olhar atento
do contra-regra e "pai de santo" Tião
Jô entrevistando a atriz Florinda Bulcão no mesmo dia
Também em 1993. Vê-se o guitarrista Rubinho (morto em 1999), o contra regra Tião (sobre quem não há qualquer referência por esse nome, na Internet) e o câmera José Roberto Lucas de Araújo, conhecidíssimo como Eddie Murphy, que trabalhou com Jô por vários anos. Depois foi para a Globo e por volta de 1999 ou 2000 abateu-se sobre ele grande desgraça: o diabetes o fez perder a visão e ele passou por dificuldades financeiras. Infelizmente a Internet não registra seu destino.

Teria muito mais a falar sobre o assunto, mas paro por aqui. Acredito que no cômputo geral ele acertou mais do que errou. Acredito também que o "late night" brasileiro perde um de seus melhores quadros. (16/12/2016)
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