terça-feira, 17 de outubro de 2017

Minestrone Cultural X


MIDSUMMER

1935 e 1968

As versões cinematográficas de "A Midsummer Night's Dream" de 1935 e de 1999 são conhecidas. A primeira é a pioneira mega-produção da Warner dirigida por William Dieterle, baseada na premiada montagem teatral de Max Reinhardt, com um elenco estelar que inclui Mickey Rooney (Puck), Olivia de Havilland (Hermia), Joe E. Brown (Flute) e outros. A versão de 1999 foi dirigida por Michael Hoffman, se passa na virada do século XIX para o XX e também traz grande elenco, com nomes como Michelle Pfeiffer (Titania), Christian Bale (Demetrius), Calista Flockhart (Helena) e Anna Friel (Hermia).

Perdida nos desvãos do tempo ficou uma versão de 1968, do grande diretor inglês Peter Hall com alunos e mestres da Royal Shakespeare Company. Nada haveria de especial nisso, considerando-se que se trata de filmagem sem grande apuro técnico, feita apenas para eternizar a montagem teatral da época. O que conta neste caso também é o elenco, que conta com figuras que iniciavam ali suas carreiras mas que brilhariam intensamente até hoje, como Ian Holm (Puck), Helen Mirren (Hermia), David Warner (Lysander) e Diane Rigg (Helena), entre outros.

Enquanto o Bottom de Kevin Kline, em 1999, recebeu apenas maquiagem e orelhas de burro, vemos (na foto) que a transformação do personagem foi basicamente idêntica em 1935 a 1968. Uma divertida máscara de burro, que permitia pequenos movimentos da boca, cobriu tanto James Cagney, em 1935, frente à maravilhada Titania de Anita Lousie, quanto Paul Rogers, em 68, junto à jovem e linda Titania de ninguém menos do que a hoje famosa e respeitada Dame Judi Dench.

Artigo em breve. (01/05/2017)

INCHON (1981)

Terence Young era um diretor eclético para dizer o mínimo; tinha em seu currículo nada menos do que três dos principais filmes de James Bond ("Dr. No", "Thunderball" e "From Russia with love"), além dos ótimos "Wait Until Dark", com Audrey Hepburn e "L'avventuriero", com Anthony Quinn e Rita Hayworth. Mas tinha também uma lista de filmes menores com Charles Bronson, idiotices como "Le guerriere dal seno nudo" (1973), meteu-se em uma fria com "Jackpot" (1975), estrelado por Richard Burton e Charlotte Rampling, interrompido por falta de dinheiro, e embora ainda contasse com o prestígio da classe artística, sua carreira entrou em decadência em meados dos anos 70. "Bloodline", baseado no livro de Sidney Sheldon e lançado em 1979, trazia Audrey Hepburn como protagonista e um elenco estelar que incluía James Mason, Irene Papas, Omar Sharif e Ben Gazarra. Foi um fracasso absoluto. Mas nada que se comparasse a seu projeto seguinte: um filme sobre a invasão anfíbia de Inchon, durante a guerra da Coréia.

A produção de "Inchon" já começa com inúmeros problemas. Os principais são três: o orçamento do filme - gravado em grande parte na Coréia do Sul - passou de 45 milhões de dólares, um verdadeiro oceano de dinheiro, em 1979; esse dinheiro veio da Igreja da Unificação, a célebre seita coreana fundada e chefiada pelo Reverendo Moon (o que não encontrou objeção de Terence, que certamente não queria repetir o fiasco de "Jackpot"); e por fim, o roteiro de Robin Moore e Laird Koenig é péssimo. O tema da guerra é tratado superficialmente e a história de amor é monótona e implausível. Ben Gazarra é um oficial americano lotado na Coréia do Sul. Ele é casado com Jacqueline Bisset, mas seu casamento naufraga e ele se junta com uma garota local. Quando a guerra da Coréia começa ele se sente obrigado a tirar a esposa do país. Eles se encontram, conversam por cinco minutos e se reconciliam. É ridículo, para não mencionar o fato de que Bisset e Gazarra tinham zero de química.

Terence Young e Olivier
Quanto ao resto do elenco, Olivier faz um bom trabalho no papel de Macarthur. Como já consignei em outros artigos, não sou fã de seu sotaque americano e ele estava visivelmente fragilizado por uma série de convalescenças, mas era um ator tão extraordinário que mesmo quando não estava em sua melhor forma ainda é um prazer assisti-lo. E ele não fazia qualquer segredo sobre o porquê de ter aceito o papel: dinheiro. Honesto o abnegado, não enriquecera com a profissão - mesmo sendo o maior ator shakespeariano do século XX e tendo sido diretor do National Theatre por quase dez anos - tinha filhos adolescentes e pressentindo que sua carreira se aproximava do fim, desejava deixar algum dinheiro para sua família, e sabia que esse dinheiro viria do cinema. Também é muito bom ver o grande Toshirô Mifune, mesmo que lhe tenham dado um papel mínimo que não lhe faz justiça. As garotas coreanas - as atrizes Karen Kahn (Lim) e Lydia Ley (Mila) - são muito boas. David Janssen e Richard Roundtree têm papéis pequenos e dispensáveis.

Cenas de batalha estão acima da média e a partitura de Jerry Goldsmith é boa. A edição é ruim; por conta de pré-estréias em que o público apedrejou a versão final de 140 minutos, o diretor reeditou o filme e quase trinta minutos foram para o lixo. O som também é estranho; tiros de metralhadora às vezes nos lembram o som de desenhos animados. Por essa e por outras, "Inchon" só foi lançado dois anos depois de filmado e recobrou apenas 1/9 de seu orçamento.

No geral, é uma produção defeituosa, mas muito longe de ser o desastre nuclear a que se referem os comentários apocalípticos do IMDB. O filme não foi lançado em VHS ou DVD, o que é uma pena. A pior coisa que eu poderia dizer sobre "Inchon" é que, em vez de um blockbuster (que é o mínimo que se poderia esperar de um filme com um orçamento desses), ele parece um filme feito para a TV. Ou um filme B. Mas quem tiver a chance de assisti-lo, deve fazê-lo. (21/05/2017)

A LOUCURA DO REI GEORGE



George III (1738/1820) foi rei da Inglaterra por mais de quarenta anos. No último quadrante de sua vida ele desenvolveu um transtorno mental que o tornava irascível, hiperativo, inconseqüente e o fazia falar sem parar, em uma blablação incontrolável. Séculos depois, médicos que se debruçaram sobre os registros de seu caso sugeriram que poderia ser uma doença nervosa chamada "porfíria", hoje conhecida e perfeitamente curável.

Na época, porém, depois de tratamentos medievais que em nada melhoraram seu estado, ele acabou sob os cuidados de um médico que tinha métodos nada ortodoxos para tratar a doença do rei.

É o tema do filme The Madness of King George", de 1994, dirigido Nicholas Hytner com Nigel Hawthorne, Helen Mirren e Ian Holm.

A cena a seguir é a do momento em que o médico, Ian Holm, inicia seu tratamento com o rei, interpretado por Nigel Hawthorne. O embate desses dois gigantes, permeado pela música de Händel, cria uma das mais maravilhosas cenas da história do cinema. (06/06/2017)

ORLANDO VILLAS BÔAS
FBF 11/1992


Que bom que esse maravilhoso Orlando Villas Bôas, discípulo digno e admirável de Rondon, está sendo alvo de todos os tipos de homenagens, junto a seus irmãos. Será que alguém também lembrará que o Parque do Xingu foi fundado pelo decreto nº 50.455, de 14/04/1961, assinado por um tal de Jânio? (foto de novembro de 1992, com Orlando e seu filho Noel. Estou com esse boné lamentável porque acabara de entrar no Mackenzie e tinha vergonha de andar por aí com a cabeça raspada) (09/06/2017)

THOTH


(14/06/2017)

SYLVYA (2003)


Muito interessante. Um bom filme com uma ótima dupla de protagonistas - Gwyneth Paltrow e Daniel Craig - sobre uma das figuras mais intensas e mais trágicas da literatura norte-americana: Sylvia Plath. E é pouquíssimo conhecido, provavelmente porque a única filha viva de Ted Hughes e Plath não gostou nada da idéia e impediu a utilização de quaisquer poesias de seus pais no filme.

Um retrato da depressão em uma época pré-Prozac e demais anti-depressivos. (18/06/2017)

ESCAPE (1940)


Drama de um americano procurando sua mãe na Alemanha nazista, contando, para tanto, com a ajuda de uma relutante e bem relacionada americana naturalizada alemã. Elenco impecável encabeçado pelo grande galã Robert Taylor, a primeira dama de Hollywood, Norma Shearer, a magnífica e tão injustamente esquecida estrela de Valentino, Alla Nazimova e, como cereja do bolo, o vilão feito por ninguém menos do que - Dih - o gênio Conrad Veidt.

Recomendo. (28/06/2017)

MIFUNE - THE LAST SAMURAI (2015)

Esperei ansiosamente para poder assistir o documentário de Steven Okazaki sobre o maior dos atores japoneses do século XX, o grande Toshiro Mifune. Admirador de Mifune desde "Shogun" (que assisti quando passou na TV, em 1980) até sua parceria inigualável com Akira Kurosawa, estava louco para conhecer melhor o ator, sua vida e sua obra.

Elementos e recursos para que o documentário fosse excelente não faltaram. Okazaki teve o raro privilégio de entrevistar os filhos primogênitos tanto de Mifune quanto de Akira Kurosawa, além de atores e atrizes que trabalharam com Mifune. A seu dispor esteve todo o acervo da TOHO, do espólio de Kurosawa e o acervo particular da família de Mifune. De quebra, Spielberg e Scorsese deram depoimentos sobre a influência do ator no cinema norte-americano. E com tudo isso, o documentário me decepcionou.

Tem apenas 80 minutos para contar a vida de um ator que fez centenas de filmes e influenciou um século de gerações diferentes de atores do mundo inteiro. Os depoimentos foram superficiais, fontes preciosas foram desperdiçadas e longos minutos foram gastos em histórias colaterais que nada tinham a ver com Mifune. 

Dos dezoito filmes do ator com Kurosawa, Okazaki escolheu três ou quatro para esmiuçar e mesmo assim nada foi dito que já não tenha sido amplamente vergastado por qualquer cinéfilo. Até mesmo as cenas escolhidas foram equivocadas. Quando o assunto é Rashōmon ou Shichinin no Samurai, não são mostradas cenas faladas, de Mifune. Nenhuma. Quando chegamos a Kumonosu-jō, toda uma sequência é gasta para que um ator coadjuvante fale de sua própria cena, e outra é para contar que a cena das flechas foi filmada sem que Kurosawa tivesse feito um seguro de vida para os atores. Muito interessante. Como detalhe. Só que nada mais é dito sobre esse trabalho primoroso de Mifune e Isuzu Yamada. Atrizes como Kyôko Kagawa e Yôko Tsukasa, que contracenaram várias vezes com Mifune e poderiam ter contado detalhes fantásticos tanto de seu processo criativo quanto de suas idiossincrasias, mantiveram-se no raso, na anedota. Culpa do diretor.

É lembrado por Spielberg que "The Magnificent Seven" é remake de Shichinin no Samurai e que "A Fistful of Dollars" é remake de Yojimbo. Mas nem uma palavra é dita sobre "The Outrage", com Paul Newman e Claire Bloom, dirigido por Martin Ritt em 1964, ser remake de Rashōmon .

Spielberg e Mifune

Nenhuma novidade ou insight sobre o rompimento de Mifune e Kurosawa, um daqueles mistérios que há tempos está pedindo para ser resolvido de uma vez. E terminada a parceria, Okazaki parece engatar uma quinta para terminar o documentário, mesmo considerando que Mifune teve pelo menos vinte anos de vida ativa no cinema e na televisão, depois de seu último filme com Kurosawa.

Kurosawa e Mifune
Para o público nerd, George Lucas é ausência imperdoável (e inexplicável), pois é conhecida e confirmada a influência que Kakushi-toride no san-akunin, de 1958, teve sobre toda a concepção da saga Star Wars. Também conhecido é o convite feito por Lucas para que Mifune interpretasse Obi-Wan Kenobi, e a recusa de Mifune, por recomendação de seu empresário cretino. Diz-se por aí, em trivias do Star Wars, que até o capacete de Darth Vader foi desenhado em cima dos capacetes de Mifune em seus filmes de samurai. Lucas, portanto, faz grande falta no documentário.

No mais, nem uma única entrevista de Mifune. Nenhum programa de TV, nenhuma presença em prêmios ou eventos. Me pareceu preguiça do diretor. Mifune era um homem retraído e reservado. Teria sido de valor inestimável vê-lo falar de sua própria vida e de sua carreira. Desconstruir o mito e mostrar sua humanidade. O diretor deveria ter garimpado toda e qualquer cena em que Mifune oferecesse uma peça na qual ajudasse a desvendar o quebra-cabeças de sua personalidade. Tal como foi editado, o documentário é sobre uma figura do século XVIII. Não há registros de voz, não há citações e declarações do próprio.

Uma oportunidade perdida. (19/06/2017)

BIBI SINATRA (Ensaio Aberto, 18/9/2014)



Bibi durante a temporada
de "Bibi canta repertório Sinatra"
No dia 1º de junho o Brasil comemorou os 95 anos de sua estrela maior, Bibi Ferreira. Neste finzinho de mês deixo meu singelo presente a todos os admiradores de Bibi: o ensaio aberto de seu espetáculo cantando músicas que ficaram famosas na interpretação de de Frank Sinatra. Eis o que aconteceu:

A estréia de "Bibi canta Repertório Sinatra" no Teatro Renaissance de São Paulo estava marcada para o dia 19 de setembro de 2014. A fim de acabar com qualquer insegurança em relação ao espetáculo, Bibi resolveu realizar um ensaio aberto na véspera, dia 18, às 21h. As imagens deste video foram feitas por mim naquela noite.

Bibi estava tranqüila. Só desejava mesmo testar as músicas diante do público antes do espetáculo entrar em temporada. Economizou a voz, evitou os agudos, fez recomendações, pediu mudanças aqui e ali, mas sempre descontraída e de bom humor.


Divirtam-se.
Um beijo, minha amada Bibi.

Bernardo (26/06/2017)

MARINA


Simpatia habitual da querida Marina, nos shows do Acústico MTV. (10/07/2017)

TERM OF TRIAL (1962)

Olivier e Signoret em "Term of Trial"
Direção e roteiro do competente Peter Glenville, que embora bissexto já tinha em seu currículo a vitoriosíssima adaptação do "Summer and Smoke" de Tennessee Williams, e seu filme seguinte a "Term of Trial" seria a obra-prima "Beckett", adaptação da peça de Jean Anouilh com Peter O'Toole e Richard Burton. O elenco traz feras como Olivier, Simone Signoret e dois estreantes da maior qualidade: Sarah Miles e Terence Stamp. É a história de um modesto e retraído professor de língua inglesa (Olivier) que foge do alistamento para combater na segunda guerra, o que prejudica sua carreira, impedindo-o de dar aulas em prestigiosas escolas particulares. Restam-lhe apenas as escolas públicas com todos os seus maus-elementos (entre eles, Stamp).

Ele aceita dar aulas de reforço a uma aluna de quinze anos (Miles) e ela se apaixona perdidamente por ele, mesmo sabendo que ele é casado (com Signoret, cujo papel começa magro e sem graça mas ganha inesperado conteúdo com o desenrolar da história). É um filme despretensioso mas muito bem feito e extremamente valorizado pelo elenco. E no entanto é menos do que uma nota de roda-pé na filmografia de todos eles. Inexplicável.

Recomendo. É dificílimo de encontrar mas quem conseguir não deve perder a oportunidade. (21/07/2017)

GOD'S GIFT TO WOMEN (1931)


Caso comum no cinema do fim dos anos 20 e início dos anos 30: uma foto fala mais do que o próprio filme. Neste caso, trata-se de "God's Gift to Women", de 1931, comédia dirigida pelo húngaro Michael Curtiz (que dez anos depois se notabilizaria por dirigir "Casablanca").

Fay e Stanwick
Nesse elenco quem menos importava era a atriz principal, Laura La Plante, que iniciara sua carreira nos primórdios do cinema mudo mas não vingou com o som e se aposentou em 1935 (morreu em 1996, aos 91 anos, olimpicamente esquecida). O filme era veículo para o então galã Frank Fay e o extraordinário elenco coadjuvante feminino.

Fay (o homem da foto) fizera uma transição exitosa do cinema mudo para o falado e era uma grande aposta da Warner. Era talentoso e cantava bem, mas seu sucesso durou pouco. A razão: ele era um ser humano absolutamente desprezível. Era alcoólatra, convencido e sabia-se que batia em suas mulheres. Casou-se com Barbara Stanwick em 1928 e lançou-a no meio cinematográfico. Nos anos seguintes a carreira dela foi ao espaço e a dele foi para o buraco. Separaram-se em 1935. Comenta-se que o filme "Nasce uma estrela" é abertamente baseada na história dos dois.

Para piorar, Fay era anti-semita e a ascensão do nazismo e a conseqüente eclosão da segunda guerra tornaram-no persona non grata em múltiplos círculos de Hollywood. Fez apenas nove filmes nos 30 anos seguintes e morreu no mais completo ostracismo, em 1961.

Fay e Louise Brooks

Blondell e Fay
Na foto que encabeça o artigo vemos, da esquerda para a direita, a francesa Yola D'Avril, que vinha de grandes sucessos que iam do drama "All Quiet on the Western Front" à comédia "Those Three French Girls". A seu lado está ninguém menos do que a maravilhosa Lousie Brooks, sem sua antológica franja, tentando timidamente, na América, chegar ao estrelato que já alcançara na Europa pelas mãos de Georg Pabst. E por fim, a linda e encantadora Joan Blondell, a "It" girl do momento, uma mistura entre Clara Bow e Mae West, com lindos e imensos olhos azuis que o preto e branco omitia criminosamente.

A comédia tem seus momentos. Fay faz um personagem que é descendente de Don Juan e vivia uma vida desregrada e cheia de mulheres até que se apaixona de verdade e tenta mudar seus hábitos. Mas não consegue. Hoje a única coisa que as pessoas se lembram é evidentemente o "catfight" de Brooks, Blondell e D'Avril na cama do convalescente Fay. Um pastelão histórico.

Fay me faz lembrar Bradley Cooper. Poderia ter sido um dos maiores, em Hollywood. Foi um talento desperdiçado. Por ele mesmo. (28/07/2017)


ROGÉRIA


Que tristeza. Rogéria foi uma das pessoas mais inteligentes que já conheci. Ela pode até ter se notabilizado inicialmente como uma travesti no meio artístico, mas como acontece com todo ser humano evoluído, sua sexualidade acabou se tornando mero detalhe em uma existência extremamente mais rica e profunda.

Assim como Elke, que nos deixou igualmente cedo, não havia na vida de Rogéria lugar para ódios e ressentimentos. Ela pairou sobre o preconceito e deixa um legado imenso de talento, nobreza e bom humor. Vai fazer muita falta. (05/09/2017)

VANYA E VANJA


Finalizando o artigo sobre Vanya e analisando alguns filmes que não entraram no texto me deparo com uma curiosa semelhança física: Paul Giamatti, que interpreta um ator em meio a uma montagem de "Uncle Vanya" no filme "Cold Souls", de 2009, está a cara de Arne Lie, personagem título do norueguês "Onkel Vanja", de 1963, dirigido por Gerhard Knoop.

O filme de 63, feito para a televisão norueguesa, traz, entre outros nomes, a linda e jovem Liv Ullmann no papel de Sonya. Já "Cold Souls" teria sido um filme bem melhor se tivesse se concentrado nas cenas de "Uncle Vanya", que Giamatti realiza brilhantemente. (10/09/2017)

90 ANOS DE LAURA CARDOSO

Com Laura em 1990, nos bastidores do Sérgio Cardoso depois de uma apresentação de "Vem Buscar-Me Que Ainda Sou Teu" de Carlos Alberto Soffredini, direção de Gabriel Vilella

Muito está sendo dito por aí sobre Laura ter feito 80 e tantas novelas. Mas ela é um talento tão consumado, tão maiúsculo, que a TV não é suficientemente grande para comportá-lo. Tudo que vi de Laura foi perfeito: no cinema, na TV e no teatro.

E não bastasse ser essa atriz que nos orgulha como brasileiros, ela ainda é um ser humano como poucos. É inteligente, é articulada, é culta. E ao mesmo tempo é simples, é humilde, é acessível, é doce. Quando estudei no Mackenzie, quantas vezes não a vi andando pela Consolação, indo a pé para o SESC, onde encenava "Pedreira das Almas", com Luis Melo? Quantas vezes a abordei, com a mesma admiração, e quantas vezes ela me respondeu com a mesma bonomia e a mesma gentileza?

No ano passado encontrei-a na missa de sétimo dia de meu irmão Flávio Guarnieri. Chegou sozinha, andando tranqüila. Foi dar um beijo em sua amiga Cecilia. Espalhava nobreza e dignidade aos menores gestos. Uma rainha. (13/09/2017)

JERRY



Muito a falar. Muito a agradecer. Tantas "Sessão da Tarde". Tantas gargalhadas, tanta felicidade. Toda a minha infância e minha juventude. Mas ainda não consigo.

Deixo aqui por enquanto "When you pretend", do filme "Artistas e Modelos", que assisti um milhão de vezes. Era o entretenimento de nossas tardes. Uma coisa linda, doce, pura, divertida.

Obrigado, Jerry. (21/09/2017)

J. PEREIRA


Quando decidi criar um blog exclusivo para divulgar a coluna musical que J. Pereira mantinha no Diário da Noite, na década de 50 ("No Mundo dos Discos"), não pensava em outra coisa senão trazer a inteligência e a cultura musical de J. àqueles que não tiveram o prazer de conviver com ele. Disse, no primeiro artigo do blog, em 2013:

"O Brasil é um país sem memória". Frase sovada, cediça... Melhor que repeti-la pela milésima vez, é fazer algo a respeito. Trazer J. Pereira dos arquivos empoeirados e de difícil acesso, para a Internet, ao nosso lado e ao mesmo tempo para o mundo todo, como ele jamais sonhou que poderia, falando com tanta força, tanto vigor, sobre música, 63 anos depois, é fazer algo a respeito.

Hoje tive o supremo prazer de verificar que, embora ainda faltem centenas de artigos para transcrever (tarefa que preciso de tempo e sossego para realizar, e infelizmente ando sem ambos), os 150 artigos que já transcrevi alcançaram seu objetivo: pesquisadores de todo o Brasil o estão consultando e aprendendo com ele. Acabo de saber que um pesquisador da PUC do Rio citou um dos artigos em sua tese de doutorado sobre o compositor Marino Pinto.

Fico muito feliz de ter sido a ponte entre J. e os pesquisadores de hoje.

Tenho certeza de que J. teria adorado. (11/10/2017)

DEZ ANOS SEM PAULO

Com Paulo em 1994, no camarim de "O Céu tem que esperar", no Teatro Villalobos,
Rio de Janeiro. Paulo ainda estava à caráter

Quando Paulo morreu comentei que era cedo demais para falar de alguém que teve tanta influência sobre mim e meu aprendizado teatral. Verifico que passados dez anos, ainda é cedo. Talvez porque ele ainda está muito presente ou porque, com sua morte, não apareceu ninguém para carregar o pesado epíteto de "maior ator brasileiro". Quando Procópio morreu, Paulo declarou: "Evidentemente ninguém poderá substituí-lo". Só que Paulo era não só a substituição, mas a renovação e a ampliação de Procópio. E não ficamos órfãos de um maior ator. Nos anos que sucederam a morte de Procópio, Paulo encenou Molière, Marguerite Duras, Harold Pinter, Poiret, Bernard Slade e Ibsen. Uma versatilidade que Procópio  só viveu através de Bibi.

Na minha adolescência eu sonhava com o Lear de Paulo. Sonhava com seu James Tyrone (que nunca veio, infelizmente). Hoje penso no que teria sido seu Edgar, na "Dança da Morte" de Strindberg, com Marília, Irene Ravache ou qualquer grande atriz dessa geração. Não tenho esses devaneios com nenhum outro ator. Quem mais se aproxima a isso é o maravilhoso Othon Bastos, que embora transborde saúde, já está com 84 anos. Quando Tom Jobim morreu minha querida amiga Tatiana me disse de como era assustador esse processo de "perdermos nossas referências". É o que aconteceu com Paulo. Perdemos nossa maior referência de ator. Temos muitos atores excelentes, mas aquele que foi da tragédia ao musical, da comédia ao drama, do monólogo à novela, esse não existe mais. Sua morte, como disse Fernandona, à época, "é simbólica".

Penso em Paulo todos os dias. Com a mesma saudade. Repito o que disse na época:

E digo, sobretudo, que vou sentir sua falta. Porque Paulo era uma figura benéfica e benemérita. Presente a nossas casas, conhecido por todos. Sentirei falta de sua sinceridade cortante. De sua elegância. De sua risada asmática. Da tranqüilidade e da autoridade com que dizia que "Oriundi" foi uma porcaria. Que adorou Ivanov, do Tapa. Que detestou "Gata em teto de zinco quente" com Vera Fischer. Que considerava a performance de Gianfrancesco Guarnieri em "Ponto de Partida" o maior momento de um ator em todos os tempos. Que gostava muito de Simon Khoury e Alberto Guzik, mas sentia, fundamentalmente, que deu a mesma entrevista durante 50 anos. Que morrer era a coroação da vida. E lembrarei que quando fui falar-lhe, depois de "O Avarento", abracei-o, beijei-o, e disse: "Mesmo sabendo que você é ateu, DEUS TE ABENÇOE". E ele riu, com seus lábios finos, os olhos cheios de bonomia por trás dos óculos, e a personalidade magnífica, tão adorável e inesquecível. (12/10/2017)

88 ANOS DE FERNANDONA

Com Fernanda em 2009, no SESC Vila Nova, durante temporada do monólogo
"Viver sem Tempos Mortos", em que ela comemorou seus 80 anos

A primeira vez que vi Fernanda no teatro foi no Ruth Escobar, com "Dona Doida", em 1990. Na platéia, o amado e saudoso Gianfrancesco Guarnieri. Com 18 anos, eu me vi no meio desses dois titãs. Não posso dizer que foi amor à primeira vista porque eu já os amava há quase dez anos, desde que assisti "Eles não usam Black-Tie" no cinema, e "Cambalacho" na televisão. Guarnieri me marcou desde "Éramos Seis", com Nicete Bruno, mas Fernanda eu fui conhecer melhor e admirar com "Brilhante" e "Guerra dos Sexos". Vá lá o clichê geracional, mas na época os atores de TV  eram uma constelação trazida do teatro, e não das capas de revista ou dos desfiles de moda.

Assisti Fernanda várias vezes depois do espetáculo com poesias de Adélia Prado. O curioso é que ouvia dizer, por más línguas, que ela era estrelona. Pude comprovar, em diversos encontros, que ela é o oposto diametral da estrelona. Fernanda é simples, bem-humorada, divertida e foge de qualquer abordagem que a transforme em algum tipo de monstro sagrado. E assim como as grandes figuras de nosso teatro no século XX, ela é inteligente, culta, lida, e mesmo um dedo de prosa com ela é uma aula magna.

Sua vida até o momento é tão plural, tão rica, tão decente, tão maravilhosa que quase perdôo Fernanda por nunca ter montado um Shakespeare. Ela esteve presente, durante a segunda metade do século XX, em todas os momentos mais marcantes da arte teatral, e sempre do lado humanista, democrático e popular. Há um arrependimento, mas não é dela; é meu. Perdi sua Arkádina.

O aniversário é dela. O presente é nosso: sua vida. Sua carreira. Ela ser brasileira.

Parabéns, querida Fernanda! (16/10/2017)

90 ANOS DE GEORGE C. SCOTT 

George C. Scott, em cena de "A Christmas Carol"

Uma semana de efemérides. Mas eu seria relapso se deixasse passar em brancas nuvens o aniversário de 90 anos daquele que considero o maior ator norte-americano do século XX: George C. Scott. Brevemente escreverei um artigo sobre a filmografia completa de Scott, então aqui me limito a falar sobre meu primeiro contato com seu imenso talento.

O conto "A Christmas Carol", de Charles Dickens, é extremamente famoso nos Estados Unidos e já foi levado à telona e à telinha inúmeras vezes. Lá, o natal não é o natal se a TV não passar "It's a wondeful life", de Frank Capra, e algumas das várias versões de "A Christmas Carol". Ocorre que eu estava nos Estados Unidos em novembro de 1984, quando estreou a mais recente versão para o célebre conto de Dickens; uma produção anglo-americana para TV, dirigida por Clive Donner e protagonizada por George C. Scott, tendo à ilharga um elenco praticamente todo britânico. Sendo fã dos quadrinhos Disney desde tempos imemoriais, minha ansiedade por assistir o filme decuplicou depois de saber que o personagem "Scrooge McDuck" (Tio Patinhas) é diretamente baseado no protagonista de "A Christmas Carol", Ebenezer Scrooge.

Assistir esse filme é uma daquelas experiências que desejamos para os nosso filhos, sobrinhos e crianças em geral. Com apenas 12 anos, conheci Dickens através de um de seus contos mais inspirados, mais maravilhosos, e tendo como guia o gênio que era George C. Scott. Um filme para rir, chorar, refletir, pensar e não esquecer nunca. O conto fala de um homem rico e avarento, solteiro, sem amigos, sem esperança, dessensibilizado pelas decepções que ele próprio provocou, e o encontro sobrenatural que tem, na véspera de natal, com três espíritos: o dos natais passados, do natal presente e dos natais futuros.

Eles mostram a Ebenezer que ele cometeu grandes erros e é parcialmente culpado por sua desdita, mas que no fundo de toda sua teimosia, seu ressentimento e suas mágoas ainda havia uma pessoa boa, com tempo para corrigir os equívocos e recomeçar. Um verdadeiro primor. Hoje em dia, quando assisto esse filme, choro da primeira à última cena. O próprio Dickens se emocionaria em ver o oceano de emoção que a estupenda colaboração entre Donner e Scott (que haviam feito um "Oliver Twist" sem o mesmo sucesso, dois anos antes) produziu, com sua obra.

Nos anos seguintes, utilizando a televisão e o mercado crescente de aluguel de fitas VHS, me aprofundei na filmografia de Scott. Acompanhei sua carreira até o que considero uma morte prematura, em 1999, aos 72 anos.

É fartamente sabido que ele não achava certo o princípio pelo qual atores devem concorrer entre si por um prêmio, então não foi receber o Oscar de melhor ator ganho por "Patton", em 1970. Foi uma atitude corajosa, audaciosa e temerária, que prejudicou sua carreira. Ele tentou explicar mil vezes que não estava recusando o prêmio, e sim pedindo para ser retirado da competição, com a qual não concordava. Hollywood ficou magoada. Acresça-se a isso o fato de Scott ser orgulhoso, saber o talento que possuía, e temos a receita para um casamento dar errado. Scott e Hollywood eram incompatíveis. Ele seguiu trabalhando pelos 30 anos seguintes, mas o fim foi melancólico. Tirando dois ou três filmes, a última década de sua carreira é uma coleção de filmes esquecíveis. Pouquíssimo, pouquíssimo para quem tinha tanto talento.

No fim de sua vida a indústria cinematográfica o esnobou. Hoje é reverenciado como um Deus. Ainda me recordo do "In Memoriam" do Oscar no ano seguinte à sua morte. Quando a imagem de Scott apareceu em filmes espetaculares como "The Hustler" e "Dr. Strangelove", a salva de palmas foi ensurdecedora. Uma coisa linda e tocante. Como sempre, era Hollywood pedindo desculpas...

Too little, too late. (18/10/2017)
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