quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

25 anos sem Jânio


Guarujá, 1976 (Fotos de Ayrton de Magalhães - APESP)

Hoje, 16 de fevereiro de 2017, a morte de Jânio completa 25 anos.

O que o levou seria chamada uma doença degenerativa. Não foi a bebida, o cigarro, as raivas, as pressões, os problemas, e sim uma combinação de todos esses fatores. Podemos situar o início de sua decadência física no fim da década de 70, uma década difícil para ele. Envelhecer fora da política foi um golpe do qual ele tentou se desviar com os livros, os dicionários, a pintura, as viagens, as entrevistas, mas, sobretudo, com o consumo desenfreado de álcool. A fim de voltar à forma para a candidatura de 1982 ele parou de beber (whisky, pinga e bebidas mais pesadas) e emagreceu a ponto de ficar escaveirado. Quando aparentava estar pior, é, ironicamente quando sua saúde deu sinal de melhora. Ele se dedicou, então, exclusivamente (até onde se sabe) ao vinho do porto. E do cigarro não se livrou jamais.

Durante a prefeitura o processo foi se agravando aos poucos. Problemas musculares, labirintite, a vista esquerda piorou e outros males ocasionais. Às vezes surgia bem disposto, andando e falante, às vezes surgia alquebrado, com a voz sumida, amparado para se locomover. Suas constantes licenças na prefeitura para empreender viagens ao exterior, entretanto, nada tinham a ver com sua própria saúde, e sim com a de Eloá, que vinha sendo lentamente devastada por um câncer no seio. De sua saúde ele cuidava aqui no Brasil, mesmo. Até porque, não havia como mudar o passado. O que fizera com seu corpo já estava feito. Seu mal era progressivo e irreversível.

Em 1989 ele ainda andava, com alguma dificuldade, e fez pronunciamentos esparsos. Como sempre, queixava-se da vista. A Edevaldo Alves da Silva, que o visitava, disse estar praticamente cego e minutos depois, olhando para o carpete, reclamou que os cães estavam deixando pelos por toda parte. Experimentou melhoras momentâneas, fez suas últimas viagens ainda independente, mas os seguidos derrames acabaram por entrevá-lo no ano seguinte. A morte de Eloá, em novembro de 1990, apressou a extinção de sua chama, "que bruxuleia", como dizia ele.

1991 foi um ano de tristeza. Sem a mulher, sua saúde entrou em queda livre. Saiu da casa da Acutiranha e foi para um flat. Passava os dias em frente a uma televisão e chamava por Eloá. Depois da repetição contínua dessa cena, e assustada de que ele estivesse perdendo o juízo, sua neta Ana Paula se aproximou, em uma dessas ocasiões e disse, com o máximo cuidado: "A vó Eloá morreu, vovô". A resposta foi surpreendente: "Eu sei que ela morreu. Mas eu gosto de chamá-la mesmo assim". Prova de que estava tão bem de cabeça quanto possível.



Os derrames minaram seu corpo, sua força física e os remédios o deixavam desacordado por grande parte do tempo. Mentalmente, a doença ativou momentos de confusão e senilidade nos quais olhava as netas e pensava estar vendo Eloá jovem, e coisas do gênero, mas isso era esporádico. Embora combalido, ainda era ele. Bastava ter o interlocutor correto. Quando Tutu arranjou uma visita de Ulysses, por exemplo, cujo carinho por Jânio não era exatamente recíproco, ele não abriu os olhos ou a boca uma única vez, dando a impressão de estar liquidado. Mas quando recebia pessoas de quem efetivamente gostava, como José Aparecido, ele conversava. Sem a rapidez de raciocínio de outros tempos e com grandes dificuldades de verbalização, mas com prazer.

No segundo semestre Tutu o internou em uma clínica de luxo e foi com os filhos para os Estados Unidos. Jânio passou seus últimos meses nessa clínica. Ao contrário do que se pensa, a mudança para a clínica, pelo menos em termos práticos, foi benéfica. No flat não havia infra-estrutura para alguém passando por problemas tão graves e ele acabava sendo levado ao Einstein periodicamente, em momentos de crise. Não fosse o bastante, Tutu era excessivamente liberal com visitas, e além da pletora de enfermeiros e parentes com quem ele não tinha qualquer afinidade ou afeto, havia políticos e estranhos dos mais variados tipos incomodando-o a toda hora. Jânio detestava isso.

Na clínica a observação passou a ser constante e as visitas eram cuidadosamente escolhidas. Isso foi bom na medida em que afastou inconvenientes, mas não de todo necessária, porque já há algum tempo ele vinha experimentando a absoluta solidão de seu ocaso. Amigos da política não existiam fora da política. Amigos que ele de fato considerava como tais, estavam mortos ou tinham suas próprias concepções de amizade. Perguntei certa vez a Joel Silveira se ele o visitara no fim. A resposta: "Não. Não gosto de ver meus amigos morrendo". Jair Carvalho Monteiro, arrasado depois de uma visita à Acutiranha, pouco antes da morte de Eloá, me deu resposta semelhante.

Sozinho, e aos poucos, Jânio foi partindo. Algumas despedidas, a Zé Aparecido, fiel e presente até o fim, a Saulo Ramos, que o visitou uma vez, a pouquíssimos outros. No fim de 91 e início de 92 Jânio não estava mais lá. Aquilo era um boneco. Seu último aniversário foi deprimente. Brasil Vita e Altino Machado, amigos de uma vida inteira, roçando ombros com gente que Jânio mal conhecia. Alguém teve a idéia cretina de lhe dar um filhote de cachorro!... Jânio estava inerme, imóvel, torto, acabado. Uma coisa patética, terrível. Um crime terem tirado fotos disso. Nunca a decrepitude de um homem público foi tão explorada, tão aviltada.

Ele não merecia esse fim. Quaisquer que tenham sido seus pecados, ele os pagou em vida. Pouco mais de vinte dias depois, em 16 de fevereiro de 1992, o sofrimento de seu corpo acabou. Jânio morreu.

Virou, na morte, aquilo que já era em vida: uma lenda.


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Jânio - Vida e Morte do Homem da Renúncia
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Bernardo Schmidt
Editora O Patativa
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