domingo, 26 de fevereiro de 2017

Oscar 2017


(Haverá spoilers)

FENCES

Tour de Force. É a expressão que vem imediatamente à cabeça depois de assistir Fences, que - só soube quando os créditos do filme começaram a subir - é dirigido por Denzel (sua terceira direção, depois de Antwone Fisher, de 2002, e The Great Debaters, de 2007). O filme é baseado na peça de August Wilson, vencedora do Pulitzer e roteirizada pelo próprio.

É de longe o melhor trabalho de Denzel como ator em muitos anos. Sua interpretação do insuportável, irascível e ignorante Troy é estupenda, e sua direção é precisa e enxuta. Mostra notável tarimba de ator teatral, de timing, de emoção, de equilíbrio e de explosão, quando necessário. Um trabalho de mestre. Viola Davis e o resto do elenco são brilhantes.

Concorre a melhor filme, ator, atriz coadjuvante (Viola, que na verdade é a atriz principal mas explica-se pelo fato do filme ter o que se chama de um "protagonista absoluto", que é Denzel) e roteiro adaptado. Ainda não assisti os outros, mas Denzel já é meu favorito para a estatueta de melhor ator.

Recomendo.

JACKIE

Dirigido pelo chileno Pablo Larrain, o filme faz um apanhado da vida de Jacqueline Kennedy do dia do assassinato de Kennedy até o momento em que ela deixa a Casa Branca. O fio condutor é o encontro dela com o repórter a quem deu sua primeira entrevista depois do assassinato, e um programa de TV no qual ela mostra a Casa Branca.

Como insight ao sofrimento pessoal de quem estava ao lado de Kennedy no momento em que ele foi alvejado, em Dallas, e de sua família mais próxima, é relativamente interessante. Por outro lado, não consigo ver a necessidade de se devassar algo tão íntimo. É querer espremer aquilo que há anos já está no bagaço. Melhor seria um documentário ou a cinebiografia de Jackie, de uma vez. O filme fica no meio termo e em muitos momentos faz lembrar uma minissérie em que o episódio atual é sobre a morte de Kennedy e os dias seguintes, sob a perspectiva de Jackie.

Portman e John Hurt
Natalie Portman está muito bem, em papel sem grandes vôos interpretativos. Eu assisti há tempos a entrevista que é dramatizada no filme e minha recordação foi sempre a de quão irritante era a voz de Jackie. Embora infinitamente mais bonita que a viúva de Kennedy, Portman imita bem sua voz. Peter Saarsgard não tem nada a ver com Bobby, nem na aparência e nem na voz, mas ainda assim se sai ok.

O filme é lento e se arrasta no vazio de fatos que pudessem justificar sua realização, mas tive o imenso e inesperado prazer de ver John Hurt, que morreu ante-ontem, naquele que é provavelmente seu último filme. Ele, que já trabalhara com Portman em V de Vingança, faz aqui o papel de um padre que ouve as confidências de Jackie. Foi agridoce ver o querido e talentoso John, brilhando tanto e emocionando nas poucas cenas de que participa.

Indicado a melhor atriz - Natalie Portman - melhor figurino - Madeline Fontaine - e melhor trilha sonora - Mica Levi. Mica merece a estatueta.

HACKSAW RIDGE


Em uma palavra: ESPETACULAR.

Simplesmente o melhor filme de guerra desde o Saving Private Ryan, de Spielberg. Põe no chinelo com facilidade os pretensiosos e chatos Flags of our fathers e Letters from Iwo Jima, de Clint Eastwood.

Direção de Mel Gibson. Trabalho de gênio. Mel - e nunca este lugar comum se adequou melhor a alguém - é uma força indestrutível da natureza. Quando acreditamos que a mídia conseguiu, por fim, aniquilá-lo, ele reaparece com algo maravilhoso e cala a boca de todo mundo.

Não farei qualquer outro comentário porque tudo acabará sendo um spoiler e desejo que todos tenham a mesma grata surpresa que eu tive, vendo este filme. Posso dizer apenas que o que se imaginava um filme bobinho e simples sobre um casal que tem que se afastar porque o garoto se alista no exército, se transforma em um épico de guerra dos mais admiráveis que já vi.

O filme foi indicado a seis Oscars: Filme, Direção, Ator, Edição e dois prêmios de som. Me darei por satisfeito se Mel subir ao palco para receber o Oscar de melhor diretor, e o oceano de palmas de desagravo que merece.

LA LA LAND e FLORENCE FOSTER JENKINS

Os dois são musicais, de um jeito ou de outro. O primeiro o é na forma e no conteúdo, e o segundo tem na música e na arte de cantar o seu pano de fundo.

Os resultados - e seus efeitos em mim - porém, foram completamente diferentes. Vejamos:

Florence Foster Jenkins fala, de maneira romanceada e divertidíssima, sobre a vida da personagem título, que existiu, realmente, era grande incentivadora da arte, tinha fumaças de cantora de lírica e guardava o nada lisonjeiro epíteto de "a pior cantora do mundo". É uma comédia com situações de chorar de rir e outras comoventes, capazes de levar às lágrimas. O elenco é ótimo, a recriação da Nova York dos anos 40 é linda e o filme é uma experiência deliciosa. Tudo sob a batuta competentíssima do veterano Stephen Frears, o craque que nos deu Ligações Perigosas, Hero e mais recentemente A Rainha e Philomena.

Meryl Streep há anos luta contra a pecha de overrated. É um fenômeno interessante porque ambos os lados estão certos. Ela é uma atriz superior, certamente uma das melhores de sua geração, mas o excesso de incenso e de prêmios acabou banalizando seu talento e tornando difícil uma análise honesta de seu trabalho. E o Oscar é um dos principais responsáveis por isso. O número ridiculamente excessivo de indicações recebidas por Meryl provocou esse questionamento.

Meryl e Hugh Grant
Lembro-me que já em 1990, portanto há quase 30 anos, quando ela recebeu uma indicação (completamente desnecessária) por Postcards from the edge, José Simão escreveu que bastava Meryl "soltar um pum" para ser indicada ao Oscar. É a verdade. Desde então as indicações se sucederam, acumulando-se em uma pilha que traz filmes de todos os tipos, alguns razoáveis, outros esquecíveis, e raramente um que de fato justificasse a indicação. O que posso dizer é que este ano a indicação é merecida, como não tem sido em pelo menos dez de suas últimas indicações. Um belíssimo trabalho. Bravo, Meryl.

O filme recebeu indicações para melhor atriz e melhor figurino. Merecidas, ambas.

Quanto a La la land, parei de assistir depois de 30 minutos.

Me faltam adjetivos pejorativos... ridículo, boçal, previsível, piegas... o número inicial, em que as pessoas saem de seus carros no trânsito sobre uma ponte e começam a cantar e dançar é tão imbecil, tão fake, tão a cara de um comercial da coca-cola, que dali em diante já percebi o que me esperava.

Sem comentários. O pior, mais deplorável dos musicais dos anos 30 e 40 é uma obra-prima perto desse pastiche intragável. E, claro, como "this is America", foi indicado a CATORZE oscars. Merece a lata do lixo.

Nem sequer paguei para assistir, e quero meu dinheiro de volta.

DOBRADINHA DE AMY ADAMS

Comecemos com Arrival (haverá pequenos spoilers em ambos, então quem vai assistir deve parar por aqui). Os filmes de ficção científica e OVNIs se reinventam a cada década: Guerra dos Mundos (1953), 2001 (1968), passando por Contatos Imediatos (1977), ET (1982), Contato (1997), Mission to Mars (2000), até chegar a Interstellar (2014), entre outros. Arrival fica entre Contatos Imediatos e Contato, com uma pitada de Sphere (1998). O filme recicla os dois primeiros no sentido de trazer ETs bonzinhos que querem nos transmitir uma mensagem - e o trampo interminável que é estabelecer um diálogo com esses ETs - e adiciona Michael Crichton para sofisticar a trama. Assim como a esfera do escritor, que não tinha qualquer desejo de dominar o mundo e fazia desejos e desgraças se tornarem realidade conforme o controle da mente do ser humano que entrasse em contato com ela, os ETs de Arrival só vieram para avisar que Amy Adams tem o talento de viajar no tempo.

É um filme ok; a história não é brilhante e tem inúmeros buracos e defeitos, Jeremy Renner e Forest Whitaker são olimpicamente desperdiçados, mas assiste-se com algum prazer. O problema é que - e é impossível não afirmá-lo - depois de obras-primas como Contatos Imediatos, Contato e Interstellar, qualquer coisa que não seja absolutamente nova e sensacional, será redundante. É só o que tenho a dizer.

Nocturnal Animals é o proverbial feel bad movie. É a história de uma patricinha que larga o marido escritor, se casa com um mauricinho mais coerente com sua classe social, é evidentemente infeliz na troca e vinte anos depois recebe do ex-marido o manuscrito de um romance dedicado a ela. Ela começa a ler e a história da patricinha e a do manuscrito - com uma história horrenda de um sujeito que tem sua mulher e sua filha estupradas e assassinadas e passa o resto do livro tentando se vingar - correm paralelamente.

O ritmo é lentíssimo. Subtraindo-se as cenas de contemplação depressiva, em praias, olhando para janelas e coisas assim, o filme teria uns vinte minutos a menos. Não sou exatamente fã de Jake Gyllenhaal, mas ele não compromete. Como o filme é veículo exclusivo para Amy Adams, o elenco não importa muito.

Arrival teve oito indicações e Nocturnal teve uma, para ator coadjuvante. Amy não foi indicada a nada, então o que se diz é que ela foi "esnobada" pelo Oscar em ano particularmente produtivo. Bobagem. Primeiro que o Oscar não é dado por mérito e sim por política, e segundo, mesmo que fosse, ela não merece. Amy Adams é bonitinha e não é ruim, mas está a anos-luz de ser uma grande atriz. É a mesma em todos os seus trabalhos - a loirinha mimizenta - e para cada um dos seus filmes há uma atriz que teria sido melhor.

MANCHESTER BY THE SEA

Eu devo ser um insensível, porque a Roberta escreveu que o povo chorava aos soluços no cinema, e eu não apenas não me emocionei em momento algum, como ainda levei dois dias para ver o filme inteiro.

É um drama ok sobre um sujeito que atravessa uma desgraça pessoal, deixa tudo - inclusive a cidade onde morava - para trás e tempos depois é obrigado a voltar, quando seu irmão morre. Ótimo elenco, roteiro e direção ok, mas para mim não passou disso.

Casey Affleck faz muito bem o único papel que sabe fazer (e que lhe valeu sua primeira indicação em 2007): o caipira americano burro, introvertido, meio desequilibrado e destruído por dentro. Michelle Williams tem um papel pequeno mas é muito boa como sempre. Não à toa, a melhor cena do filme é a que estampa o poster promocional.

HELL OR HIGH WATER

Policial com sotaque texano, no qual dois irmãos assaltam agências de um banco e com o produto desse roubo pretendem pagar a dívida que têm com esse mesmo banco. Como o valor dos roubos é relativamente baixo, o FBI não aceita o caso e ele acaba indo para um delegado prestes a se aposentar, interpretado por Jeff Bridges.

Já vi tudo isso dezenas de vezes. Não é uma trama original, não há novidades, e Jeff Bridges basicamente repete, com pequenas variações, o personagem de True Grit. Só.

LION

Quando começou senti ecos de Who wants to be a millionaire e Central do Brasil. Mas logo a trama engrenou. É a história real de um rapaz que se perdeu de sua família no interior da Índia e acabou adotado por um casal australiano. Quando chega aos 20 anos, auxiliado pela tecnologia do google, resolve ir atrás de seu passado.

Gostei do filme. Não seguiu o caminho fácil de se fixar nas desgraças da Índia e nem de vitimizar demais a este ou aquele. Por outro lado, a história me pareceu meio magra para um longa, e a busca do menino cansa em certo ponto e começamos a torcer para que o grande ápice ocorra de uma vez.

Dev Patel está muito bem, assim como Nicole Kidman, que sempre se sai melhor em papéis que a mostram apenas o pó da rabiola. Já Rooney Mara está me papel decorativo. Os meninos Sunny Pawar (no papel do menino Saroo) e Abhishek Bharate (seu irmão Guddu) são excelentes, mas quem está absolutamente maravilhosa, adorável e me conquistou, nos dois ou três minutos em que aparece, é a atriz Priyanka Bose, mãe de Saroo.

MOONLIGHT, LOVING e HIDDEN FIGURES

A impressão que se tem é a de que a ausência de negros entre os indicados no último Oscar provocou uma justa reação, este ano. Por falta de um, há três filmes de temática negra, sendo que dois deles são histórias reais de combate ao mais odioso racismo. O primeiro é Moonlight, direção e roteiro de Barry Jenkins, baseado no livro de Tarell Alvin McCraney, e que vem sendo largamente aclamado.

Trata de três momentos da história de um rapaz negro, Chiron, que lida com o bullyig na escola na infância (interpretado por Alex Hibbert) e sobretudo na juventude (interpretado por Ashton Sanders), quando começa a ter dúvidas sobre sua sexualidade. Sem pai e com uma mãe viciada em crack (Naomie Harris), ele se aproxima de uma espécie de traficante de bom coração (Mahershala Ali) e sua esposa Theresa (Janelle Monáe), que o acolhem nos momentos mais difíceis.

É um filme bom. Não fiquei maravilhado, como certos setores da crítica, mas reconheço que direção, roteiro e elenco são ótimos. A porção do filme que envolve a idade adulta de Chiron é um show de talento de Trevante Rhodes (Chiron) e André Holland (Kev adulto). Foi indicado a seis Globos de Ouro e ganhou o de melhor filme. O Oscar foi mais generoso: oito indicações, incluindo melhor filme, direção e os dois coadjuvantes, Mahershala Ali e Naomi Harris, repetindo a dobradinha do Globo de Ouro. Sinceramente, não vejo razão para indicar Ali. Bem mais merecidas seriam indicações a Trevate e André Holland, excelentes.

Loving é a história real do branco Richard Loving (Joel Edgerton) e da negra Mildred Jeter (Ruth Negga), que se conhecem no fim da década de 50 em uma pequena cidade do Estado ultra-racista de Virginia, começam a namorar e quando ela fica grávida ele compra um terreno e eles decidem se casar. Estava em pleno vigor desde 1924, no Estado, uma lei que tornava crime o casamento inter-racial, então eles foram até Washington D.C. - que como capital do país tem sua própria jurisdição e permitia o casamento entre negros e brancos - e se casaram. Na volta à sua cidade eles são presos e condenados a sair do Estado por 25 anos, sob pena de prisão. Eles se mudam para Washington e anos depois Mildred escreve uma carta a Robert Kennedy (o poderoso attorney general, na época, o que no Brasil seria uma mistura de ministro da Justiça com Chefe da Casa Civil) para se queixar da perseguição. Ele designa dois advogados do ACLU (American Civil Liberties Union) para reabrir o processo que levou à expulsão do casal e todo um novo capítulo se abre na vida deles.

Foi escrito e dirigido por Jeff Nichols com base em um documentário de 2011. Achei muito bom, suspense e drama na medida certa, o casal protagonista é afinado e competente, mas o filme pertence à maravilhosa Ruth Negga. Que espetáculo de atriz! Egressa da TV e com poucos e pequenos papéis no cinema, este é certamente o ano de Ruth. Espero que muitos trabalhos venham a essa estupenda atriz, nascida na Etiópia.

O melhor dos três, e um dos meus favoritos deste Oscar é Hidden Figures, história real de três negras excepcionalmente inteligentes e preparadas que trabalhavam no programa espacial da NASA no início da década de 60, mas viam seus esforços serem constantemente obstados por costumes racistas ou simplesmente preconceituosos, como separar os banheiros, as salas de trabalho, garrafas de café, não permitir a entrada de mulheres em determinadas reuniões, etc.

Katherine Goble (Taraji Henson) é a super-dotada em matemática, Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) revela perícia invulgar no uso do recém-nascido computador e Mary Jackson (Janelle Monáe) luta para se tornar a primeira engenheira aeronáutica dos Estados Unidos. O pano de fundo é a frustração dos norte-americanos com o vôo de Yuri Gagarin, que provou a superioridade tecnológica soviética em momento particularmente tenso entre as duas super-potências, e os esforços incansáveis da equipe da NASA - coordenada por Al Harrison (Kevin Costner, em boa performance) e Paul Stafford (Jim Parsons, sempre ótimo) - responsável por encontrar a solução matemática que permitiria colocar John Glenn em órbita e trazê-lo de volta depois de sete voltas na órbita terrestre.

É suspense, drama, comédia e romance em um só filme, leve e delicioso. Puro entretenimento. Dirigido por Theodore Melfi, que também assina o roteiro com Allison Schroeder, tendo por base o livro de Margot Lee Shetterly, foi indicado a melhor filme, roteiro adaptado e atriz coadjuvante, Octavia Spencer. Mais uma vez, não concordo com a indicação. Octavia é ótima, gosto muito dela, mas quem merecia a indicação é Taraji Henson, que tem linda performance no papel de Katherine.

Recomendo os três.

ELLE

Isabelle Huppert tem aquela qualidade rara que compartilha com pouquíssimas atrizes de sua geração (Lena Olin é uma delas): quanto mais velha, mais sexy. Quem assiste Elle não poderá jamais acreditar que ela está prestes a completar 64 anos. Possui, não obstante, o charme e o sex appeal de uma jovem de 25. O filme é baseado no romance de Philippe Djian e roteirizado pelo relativamente desconhecido David Birke.

O coringa da produção é o eclético diretor Paul Verhoeven, responsável por sucessos como Robocop, Total Recall e Basic Instinct. Só as mãos calejadas e competentes do holandês poderiam amarrar a sucessão interminável de agruras na vida de Michelle (Huppert), que em uma hora e meia tem que enfrentar um estuprador, o adultério com o marido da melhor amiga, o ex-marido fracassado às voltas com uma mulher mais nova, o filho envolvido com uma vadia, o crush no vizinho, a produção de um video-game, os stalkers de seu trabalho, a mãe despudorada e o pai mafioso. Huppert - para nossa sorte - está em todas as cenas e a epopéia de sua vida é espremida em algumas semanas.

Isabelle Huppert
Imagino que ela esteja cotadíssima para o Oscar, e, para variar, não é por seu trabalho em Elle, e sim por sua carreira. O papel de Michelle é ótimo para o prêmio porque faz lembrar justamente aquelas heroínas do cinema nos anos 30 e 40, protagonistas absolutas em melodramas onde viviam toda a experiência humana em 90 minutos. A diferença aqui é que a personagem é intensa mas não desce jamais ao inferno de seus tormentos. Seja no estupro, no trabalho, na relação com os pais ou com o filho, tudo se mantém em nível raso e se resolve com extraordinária facilidade. Em suma, Huppert está bem como sempre. Mas não me emocionou. Creio que meia hora a mais decantando e aprofundando as situações dramáticas, e teríamos uma das melhores performances femininas dos últimos anos.

CAPTAIN FANTASTIC

Escrito e dirigido pelo ator Matt Ross, Captain Fantastic conta a história de um casal de hippies que leva ao paroxismo o ideal de viver em comunhão com a natureza e resolve ir morar no meio de uma floresta, onde poderão criar seus seis filhos longe da contaminação de uma sociedade materialista e consumista. O que a princípio é um plano perfeito, começa a mostrar seus buracos quando a mãe desenvolve um distúrbio emocional que leva à sua internação, e as crianças vão misturando desordenadamente grande cultura com total inadequação social, cada vez que são obrigadas a interagir com o mundo civilizado.

É uma idéia interessante e o filme é bom, embora longe de ser uma obra-prima. Os atores que interpretam os filhos são todos excelentes e Viggo Mortensen está ótimo. Só que ao contrário de sua primeira indicação em 2007, com Eastern Promises, no qual teve um trabalho superior aos outros indicados e todo o mundo lamentou a vitória equivocada e ridícula de Daniel Day Lewis, desta vez ele enfrenta Denzel Washington e Andrew Garfield, que são concorrentes de valor. Veremos. (Comentários feitos entre 29/1 e 10/2/2017)

ESNOBADOS, IGNORADOS OU ESQUECIDOS


Tom Hanks em "Sully"
No meio cinematográfico há quem diga que Sully, de Clint Eastwood - história real de um piloto que aterrissou um avião em pane no rio Hudson - foi esnobado (recebeu uma única indicação, para edição de som), assim como seu ator principal, Tom Hanks. Não acho. Sully é no máximo um filme ok, melhor do que o que Clint tem feito ultimamente e acabou. Não passa disso. E o querido Tom Hanks esteve à beira de virar a versão masculina de Meryl Streep, em termos de super-aclamação. Seu trabalho em Sully é bom como tem sido sempre, nos últimos anos. Mas indicá-lo teria sido um exagero. O mesmo pode ser dito sobre Matthew McConaughey em Gold, dirigido por Stephen Gaghan. O filme, sobre um picareta que parte para a Ásia na tentativa de encontrar ouro nas selvas da Indonésia, é excelente e tem estofo para várias indicações. Mas não a de melhor ator, embora McConaughey esteja gordo, desfigurado e faça um bom trabalho.

Alicia e Fassbender
Situação semelhante, por sinal, à de Jessica Chastain, que protagoniza Miss Sloane, do veterano John Madden, sobre lobistas inescrupulosos em lados opostos na batalha pela aprovação ou rejeição de uma lei referente ao porte de armas. Muito melhor do que qualquer um dos dois filmes de Amy Adams indicados este ano, Miss Sloane foi ruidosamente ignorado pelo Oscar e teve uma indicação solitária (e perdida) para melhor atriz no Globo de Ouro. Compreende-se; tanto no caso de McConaughey quanto no de Chastain, o filme é simplesmente superior à performance do protagonista.

O argumento dos fãs de Amy Adams é de que ela trabalhou em mais de um filme competitivo e não entrou na lista de indicados. Por esse raciocínio, Michael Fassbender pode considerar-se esnobado. Protagonizou Light between oceans, de Derek Cianfrance, sobre um casal que cuida de um farol na Austrália e, não podendo ter filhos, acaba adotando uma criança que sobreviveu um naufrágio (filme fraco com elenco acima da média: além de Fassbender estão Alicia Vikander e Rachel Weisz); e protagonizou Trespass against us, espécie de Captain Fantastic onde ao invés de hippies do bem, que andam pelados e são brilhantes auto-didatas, temos uma tribo de ciganos escoceses, que vivem de assaltos sob o comando de Brendan Gleeson. Ambos esquecíveis. Sem falar que Fassbender começou a namorar Vikander durante as filmagens de Light between oceans, então foda-se o Oscar.

Rachel, em Denial
Seguindo essa mesma lógica temos Rachel Weisz, muito mais talentosa e competente que Amy, em ano produtivíssimo, e cá entre nós, não merecedora de qualquer indicação. Rachel foi coadjuvante no filme de Alicia e Fassbender, mas protagonizou o interessante Denial, de Mick Jackson, outra história real, desta vez sobre a jornalista norte-americana Deborah Lipstadt, que foi citada em rumoroso processo onde se questionava a legitimidade dos relatos sobre as mortes de milhares de judeus em Auschwitz. Sem ser genial, é um filme bem feito e também valorizado pelo elenco, que além de Weisz traz Tom Wilkinson e Timothy Spall. E pra concluir ela ainda trabalhou com Colin Farrell no estranhíssimo The Lobster, sobre um local onde pessoas se encontram para criar relacionamentos, e caso isso não ocorra eles são transformados em animais e soltos na floresta. Este último foi o único que recebeu uma indicação: roteiro original.

Em ano claramente marcado por histórias reais, inspiradoras ou trágicas, War Dogs, de Todd Phillips, com Jonah Hill (em mais uma boa performance) e Miles Teller, sobre dois picaretas que enriquecem negociando armas para o exército norte-americano no Afeganistão, não conseguiu emocionar a academia. O que é uma pena, porque conhecemos a competência de Phillips e War Dogs é um ótimo filme. Deepwater Horizon, de Peter Berg, com Mark Whalberg e Kurt Russell, sobre uma plataforma de petróleo que explodiu em 2010, também passou ao largo da academia, recebendo apenas indicações para edição de som e efeitos visuais. O elenco traz coadjuvantes do quilate de John Malkovich e Kate Hudson, mas o filme é cansativo e depois de um tempo ninguém mais agüenta ver tanto fogo e explosões. No caso de The Infiltrator, de Brad Furman, sobre um policial americano que consegue se infiltrar no cartel colombiano e fica amigo de um dos mais influentes colegas de Pablo Escobar, nem o carisma de Bryan Cranston salva o filme de ser apenas interessante.

Alison Sudol, na nova saga de JK Rowling
No ano passado a academia deu uma importância absolutamente imerecida à ficção científica The Martian, com Matt Damon. Este ano o fenômeno não se repetiu. Talvez porque Passengers seja mais romance do que SciFi. Admito que gostei. Esperava algo mais sério, mais denso, rezando para que Chris Pratt não fizesse pela enésima vez o papel do galã idiota (e fez), mas com todos os seus defeitos, é um filme gostoso. Jennifer Lawrence continua irresistível e a participação de Michael Sheen e Lawrence Fishburne é bastante positiva. Indicado à melhor trilha sonora e direção de arte.

Quanto a Fantastic beasts and where to find them, indicado a melhor figurino e direção de arte, tem a dificílima missão de tentar recriar a magia potteriana. Como a segunda parte já está em produção, é cedo para dizer. Me impressionou como os filmes de Harry Potter? É óbvio que não, mas é divertido e a trama deverá engrenar a partir do próximo. Não gostei nada da escolha do dentuço Eddie Redmayne para o papel de Newt. Seus olhos esbugalhados e piscando constantemente, em tique previsível, podem ter ajudado na composição de papéis como os de Stephen Hawking e Lili Elbe, mas na nova saga de JK Rowling, são apenas irritantes. Só ele destoa da coisa toda, porque o elenco é talvez o ponto mais alto do filme, com destaque para Alison Sudol e Katherine Waterston.

McGregor e Connelly
Quem estreou atrás das câmeras em 2016 foi Ewan McGregor, com o ótimo American Pastoral. O filme, baseado num livro de Philip Roth, conta a história de um rapaz judeu (Ewan), esportista famoso na época faculdade, que se casa com uma lindíssima ex-miss (Jennifer Connelly), ambos tem uma vida tranqüila graças ao trabalho bem-sucedido dele em uma fábrica de luvas, e a felicidade de ambos termina quando a filha deles (Dakota Fanning), agora adolescente, se envolve com movimentos subversivos e terroristas do fim da década de 60. Um belo trabalho, que merecia mais notoriedade. Mesmo caso de Live by Night, direção e roteiro de Ben Affleck (que não dirigia desde Argo, em 2012) a partir do livro de Dennis Lehane. Um ótimo filme sobre o conflito entre as máfias italiana, irlandesa e cubana durante a Lei Seca, com performances respeitáveis de Affleck e Zoe Saldana. Zero indicações, tanto para o filme de McGregor quanto para Live by Night.

Warren no papel de Howard Hughes
E zero indicações para Rules don't apply, que marcou a volta de Warren Beatty à direção, passados dezenove anos do fracasso de Bullworth. Não sou fã de Beatty, seja como ator (considero-o canastrão), seja como diretor (de produção limitada, irregular e absurdamente super-estimada), mas gosto de alguns filmes dos quais ele participou. Rules don't apply tinha vários elementos para ser bom: a recriação perfeita da época, um protagonista carismático, o elenco acima da média e sobretudo a idéia de mostrar Howard Hughes maduro, num contraponto e, de certa forma, continuação da sua saga em The Aviator (de 2004, dirigido por Scorsese). Mas ao invés de seguir uma linha histórico-biográfica de razoável fidelidade, a exemplo de Scorsese, e usar a vida de Hughes como espinha dorsal do filme, Beatty resolveu inserir um romancezinho bobo (entre Lily Collins, passável, e Alden Ehrenreich, fraquíssimo) como fio condutor e aleijou a trama, deixando-a adocicada, melosa e distante daquilo que se esperaria de um trabalho que tocasse, ainda que levemente, nas esquisitices múltiplas de Howard Hughes. Um desperdício e uma pena.

Garfield em Silence
Por falar em Martin Scorsese, é o maior esnobado deste ano. Acho hilário a grita por uma bobagem como Sully ou os filminhos mimizentos de Amy Adams, enquanto que por Scorsese não se ouve um pio. Seu filme Silence, roteirizado por ele e Jay Cocks a partir do livro de Shûsaku Endô é um primor. Ele não mexia com o tema desde o polêmico The Last Temptation of Christ e o fez com muita sensibilidade. Passa-se no século XVII, quando praticar ou disseminar o cristianismo era crime no Japão, e conta a história de dois padres portugueses (Andrew Garfield e Adam Driver) que vão até lá procurar um terceiro (Liam Neeson), desaparecido há anos. Na busca eles são obrigados a enfrentar não apenas a perseguição cruel de que são vítimas os cristãos japoneses, mas os métodos medievais utilizados para provocar a "apostatização" dos padres que se atrevem a ir contra a lei do inquisidor local.

Antes de assistir tive receio de que Scorsese desse vazão a um viés apelativo de filmes como The Departed, mas não foi o caso. Spoilers a seguir - A violência utilizada tem razão de ser e o ritmo lento é necessário para que possamos compreender com clareza o conflito espiritual, mental e corporal em que é posto o jovem padre Rodriguez (Garfield, em ótima performance), quando começa a se dar conta de que os convertidos não estão morrendo tanto pela fé em Cristo quanto em sacrifício a ele próprio, que encarna para todos um guia espiritual de santidade equivalente ao filho de Deus. É o argumento utilizado por Neeson quando finalmente se encontram (e verifica-se que ele foi apostatizado) e ele explica a razão principal para o fracasso das missões jesuítas no Japão: The japanese cannot think of an existence beyond the realm of nature. For them, nothing transcends the human. Gostaria que esse diálogo tivesse sido um pouco mais longo. É momento de catarse em que esperei explicações mais elaboradas, já que se tratava de demover um padre de fé praticamente inquebrável. Não obstante, é trabalho de gênio e merecia indicações para melhor filme, direção, ator e ator coadjuvante (Garfield e Neeson), além dos prêmios menores. Recebeu uma reles indicação por Fotografia.

Sarah Gadon, em Indignation
Além de American Pastoral, outra novela de Philip Roth foi adaptada este ano: Indignation, sobre um rapaz judeu que vai para a faculdade durante a guerra da Coréia e enfrenta a proteção excessiva de seu pai, o preconceito do diretor da faculdade e a extrema liberalidade sexual de uma de suas colegas. Aqui temos mais um filme que foi esnobado, porque Indignation é excelente! Merecia indicações para melhor filme, roteiro adaptado (James Schamus, que também dirige, embora o mérito seja inteiro de Roth, absolutamente lapidar nos diálogos), e, sobretudo, ator e atriz coadjuvantes, respectivamente para Tracy Letts e Linda Emond. Ainda sobre guerra, temos o estranhíssimo Allied, com Brad Pitt e Marion Cotillard. O filme conta a história de um espião aliado e uma contra-espiã do eixo que se apaixonam e vivem felizes até que a identidade da contra-espiã vem à tona e põe tudo a perder. Não sei o que dizer, além de que o gigante Robert Zemeckis está fora de seu elemento.

Rebecca Hall: espetacular
Para terminar, temos Annette Bening, esnobada apesar da performance acima da média e plenamente oscarizável do chatinho 20th Century Women. Com quatro indicações anteriores e o burburinho sobre sua "não-indicação" este ano, é possível que o momento de Annette ser premiada esteja chegando; The girl on the train, dirigido por Tate Taylor, é um drama perfeitamente decente e que valeria uma indicação à Emily Blunt (já esnobada por Sicario, ano passado), e certamente o mais injusto de todos os esquecimentos: Christine, do diretor Antonio Campos, que conta a surpreendente história de Christine Chubbuck, repórter que se suicidou ao vivo, durante um noticiário, na década de 70 (e que deu a Paddy Chaiefsky a idéia do roteiro de Network, lançado pouco depois com direção de Sidney Lumet). Rebecca Hall, exemplar em tudo que faz, tem uma performance espetacular! Desvestindo-se de sua extraordinária beleza, ela encarna Christine completamente e desenvolve cada uma das facetas da miséria psicológica e espiritual da repórter num trabalho profundo, meticuloso, emocionante, de dentro para fora. É admirável. Houvesse alguma justiça no Oscar (e nunca houve), a estatueta já estaria na bolsa de Rebecca. (Escrito em 26/2 com pequena atualização em 12,13 e 14/3)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

25 anos sem Jânio


Guarujá, 1976 (Fotos de Ayrton de Magalhães - APESP)

Hoje, 16 de fevereiro de 2017, a morte de Jânio completa 25 anos.

O que o levou seria chamada uma doença degenerativa. Não foi a bebida, o cigarro, as raivas, as pressões, os problemas, e sim uma combinação de todos esses fatores. Podemos situar o início de sua decadência física no fim da década de 70, uma década difícil para ele. Envelhecer fora da política foi um golpe do qual ele tentou se desviar com os livros, os dicionários, a pintura, as viagens, as entrevistas, mas, sobretudo, com o consumo desenfreado de álcool. A fim de voltar à forma para a candidatura de 1982 ele parou de beber (whisky, pinga e bebidas mais pesadas) e emagreceu a ponto de ficar escaveirado. Quando aparentava estar pior, é, ironicamente quando sua saúde deu sinal de melhora. Ele se dedicou, então, exclusivamente (até onde se sabe) ao vinho do porto. E do cigarro não se livrou jamais.

Durante a prefeitura o processo foi se agravando aos poucos. Problemas musculares, labirintite, a vista esquerda piorou e outros males ocasionais. Às vezes surgia bem disposto, andando e falante, às vezes surgia alquebrado, com a voz sumida, amparado para se locomover. Suas constantes licenças na prefeitura para empreender viagens ao exterior, entretanto, nada tinham a ver com sua própria saúde, e sim com a de Eloá, que vinha sendo lentamente devastada por um câncer no seio. De sua saúde ele cuidava aqui no Brasil, mesmo. Até porque, não havia como mudar o passado. O que fizera com seu corpo já estava feito. Seu mal era progressivo e irreversível.

Em 1989 ele ainda andava, com alguma dificuldade, e fez pronunciamentos esparsos. Como sempre, queixava-se da vista. A Edevaldo Alves da Silva, que o visitava, disse estar praticamente cego e minutos depois, olhando para o carpete, reclamou que os cães estavam deixando pelos por toda parte. Experimentou melhoras momentâneas, fez suas últimas viagens ainda independente, mas os seguidos derrames acabaram por entrevá-lo no ano seguinte. A morte de Eloá, em novembro de 1990, apressou a extinção de sua chama, "que bruxuleia", como dizia ele.

1991 foi um ano de tristeza. Sem a mulher, sua saúde entrou em queda livre. Saiu da casa da Acutiranha e foi para um flat. Passava os dias em frente a uma televisão e chamava por Eloá. Depois da repetição contínua dessa cena, e assustada de que ele estivesse perdendo o juízo, sua neta Ana Paula se aproximou, em uma dessas ocasiões e disse, com o máximo cuidado: "A vó Eloá morreu, vovô". A resposta foi surpreendente: "Eu sei que ela morreu. Mas eu gosto de chamá-la mesmo assim". Prova de que estava tão bem de cabeça quanto possível.



Os derrames minaram seu corpo, sua força física e os remédios o deixavam desacordado por grande parte do tempo. Mentalmente, a doença ativou momentos de confusão e senilidade nos quais olhava as netas e pensava estar vendo Eloá jovem, e coisas do gênero, mas isso era esporádico. Embora combalido, ainda era ele. Bastava ter o interlocutor correto. Quando Tutu arranjou uma visita de Ulysses, por exemplo, cujo carinho por Jânio não era exatamente recíproco, ele não abriu os olhos ou a boca uma única vez, dando a impressão de estar liquidado. Mas quando recebia pessoas de quem efetivamente gostava, como José Aparecido, ele conversava. Sem a rapidez de raciocínio de outros tempos e com grandes dificuldades de verbalização, mas com prazer.

No segundo semestre Tutu o internou em uma clínica de luxo e foi com os filhos para os Estados Unidos. Jânio passou seus últimos meses nessa clínica. Ao contrário do que se pensa, a mudança para a clínica, pelo menos em termos práticos, foi benéfica. No flat não havia infra-estrutura para alguém passando por problemas tão graves e ele acabava sendo levado ao Einstein periodicamente, em momentos de crise. Não fosse o bastante, Tutu era excessivamente liberal com visitas, e além da pletora de enfermeiros e parentes com quem ele não tinha qualquer afinidade ou afeto, havia políticos e estranhos dos mais variados tipos incomodando-o a toda hora. Jânio detestava isso.

Na clínica a observação passou a ser constante e as visitas eram cuidadosamente escolhidas. Isso foi bom na medida em que afastou inconvenientes, mas não de todo necessária, porque já há algum tempo ele vinha experimentando a absoluta solidão de seu ocaso. Amigos da política não existiam fora da política. Amigos que ele de fato considerava como tais, estavam mortos ou tinham suas próprias concepções de amizade. Perguntei certa vez a Joel Silveira se ele o visitara no fim. A resposta: "Não. Não gosto de ver meus amigos morrendo". Jair Carvalho Monteiro, arrasado depois de uma visita à Acutiranha, pouco antes da morte de Eloá, me deu resposta semelhante.

Sozinho, e aos poucos, Jânio foi partindo. Algumas despedidas, a Zé Aparecido, fiel e presente até o fim, a Saulo Ramos, que o visitou uma vez, a pouquíssimos outros. No fim de 91 e início de 92 Jânio não estava mais lá. Aquilo era um boneco. Seu último aniversário foi deprimente. Brasil Vita e Altino Machado, amigos de uma vida inteira, roçando ombros com gente que Jânio mal conhecia. Alguém teve a idéia cretina de lhe dar um filhote de cachorro!... Jânio estava inerme, imóvel, torto, acabado. Uma coisa patética, terrível. Um crime terem tirado fotos disso. Nunca a decrepitude de um homem público foi tão explorada, tão aviltada.

Ele não merecia esse fim. Quaisquer que tenham sido seus pecados, ele os pagou em vida. Pouco mais de vinte dias depois, em 16 de fevereiro de 1992, o sofrimento de seu corpo acabou. Jânio morreu.

Virou, na morte, aquilo que já era em vida: uma lenda.


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