segunda-feira, 16 de maio de 2016

Cauby! Cauby!


O amado Cauby Peixoto subiu aos céus, aos 85 anos.

Desnecessário que se diga: foi o maior e melhor cantor brasileiro da segunda metade do século XX em diante. Na minha opinião, de todos os tempos. Sempre considerei-o superior a seus próprios mestres, Chico Alves, Sílvio Caldas, Orlando Silva, e Vicente Celestino.

Era o ser humano mais carinhoso, mais amável, mais humilde e acessível que já conheci. Tinha o sorriso aberto e gentileza para absolutamente qualquer pessoa que o abordasse. Era pura bondade. Nenhum preconceito, nenhuma reserva, nenhum pudor. Zero estrelismo. Ria de si mesmo, não se incomodava com a maneira que satirizavam sua aparência excêntrica, suas roupas, suas perucas, seus maneirismos ao falar, mesmo quando a sátira era perversa. Nada abalava seu bom humor.

Por essa união de talento único e simpatia universal, era ídolo de todos. Ídolo de seu público e ídolo dos ídolos. Cantores o copiaram sua vida inteira, cantoras o admiravam profundamente. Tom se popularizou ainda mais depois de Cauby gravar "Foi a Noite"; Roberto e Erasmo filmaram com Cauby quando tinham 17 anos; Elis não sossegou enquanto não gravou com ele; Chico escreveu "Bastidores" para ele; Caetano escreveu "Cauby! Cauby!"; não havia compositor que não quisesse ser gravado por ele. Artistas com 30, 40 anos de carreira que participavam de seus álbuns ou shows confessavam candidamente que se sentiam intimidados de dividir com ele palco ou estúdio. Era uma responsabilidade pesadíssima roçar ombros com o maior de todos.

Meu tesouro caubyniano: o disco de 78 RPM
com a gravação original de "Conceição"
Foi justamente através do álbum "Cauby! Cauby!", de 1980, comprado por minha mãe, que o conheci e nunca mais deixei de admirá-lo. Ouvia Cauby como mais tarde ouvi Sammy Davis, Frank Sinatra, Tony Bennet e poucos outros: estudando cada frase, cada respiração, cada pausa, cada vibrato. Nunca ouvi voz igual. Tão rica, tão caudalosa, tão intensa e elástica. Tão cheia de recursos. Sua voz era assustadora. Quando a ouvia me dava a distinta impressão de que mesmo superior à de qualquer outro cantor, ele estava usando apenas 20 ou 30% de sua potência.

Isso era uma qualidade rara, extraordinária, mas também podia ser um defeito. Cauby tinha uma voz tão imensa que o exagero foi seu acompanhante constante, de quem só se livrou quando a idade veio e remodulou involuntariamente sua voz. Ainda assim era melhor do que tudo que se vira até então. Poderia escrever dez laudas de minha admiração irrestrita por Cauby, mas paro por aqui.

Assisti Cauby quatro vezes no Bar Brahma e uma vez na Virada Cultural, com Ângela e Timóteo. Me emocionou em cada uma delas. Assistiria duzentas vezes, se pudesse.

Era um gigante maravilhoso.

Descanse em paz.

E OBRIGADO, professor amado!
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CAUBY NO BAR BRAHMA - 12/9/2005


Cauby, em um de seus shows no Brahma
Aqui vai um pequeno texto comentando um dos shows que vi de Cauby no Brahma, ocorrido no dia 12 de setembro de 2005, dias antes da gravação de seu segundo DVD.

O frio e a chuva pegaram os paulistanos de surpresa, mas nem isso foi suficiente para manter o público longe do Brahma ontem, dia de mais um show dessa vitoriosa temporada de Cauby, que começou no fim do ano passado. 

Não havia cadeiras sobrando, mas a cena que se vê todas as segundas, ou seja, garçons correndo com mesas extras, não se repetiu ontem. Quem enfrentou a chuva e o frio pôde assistir o show confortavelmente, sem o aperto habitual. Cauby entrou em cena 22h45, entoando os primeiros versos de "Sampa", como já se tornou praxe, nessa temporada. Chegando ao palco, resolveu improvisar com o pianista alguns versos da magnífica Sinfonia Paulista, de Billy Blanco ("São Paulo que amanhece trabalhando"), retomou "Sampa" e começou o show em grande estilo. 

Em seguida mandou a seresta "Dos meus braços tu não saírás", popularizada por Nelson, que ganhou um brilho muito especial na voz de Cauby, que estava afiadíssimo, ontem. O mesmo se pode dizer de "Meu nome é ninguém", marca-regitrada de Miltinho. "Smile", de Chaplin, com versão de Braguinha, podia ser facilmente suprimida dessa lista. Já a maravilhosa "Molambo", clássico de Gouvêia e Amorim, que fez a carreira de Roberto Luna, Cauby deixa para o público cantar. Não devia. 

"Ninguém é de Ninguém" é linda, mas o novo arranjo - rápido demais - não privilegia a interpretação superior de Cauby. Em seguida, a detestável "Ci-ciu, canção do rouxinol", porcaria italiana que desmerece Cauby e deveria ser enterrada para sempre. 

Cauby se redime com a lindíssima "Resposta ao Tempo", de Aldir Blanc e Cristovão Bastos, e conquista definitivamente o público com a inusitada inclusão do bolero "Delírio", na lista. Ouro puro. A seguir, uma homenagem a Alcione, que estará no show de terça que vem no Olympia, com "Você me vira a cabeça". E esse bloco é encerrado com mais uma pérola: "Pra dizer Adeus", de Edu Lobo, em versão francesa do próprio Cauby.

As duas músicas seguintes eu não consegui reconhecer, mas a terceira, "Madalena", cantada pelo público, foi apenas prenúncio para um dos grandes momentos da noite. Enquanto o público canta Madalena, Cauby diz "não tem jeito. Só existe uma mulher para mim", e fulmina com "Conceição", que começa imediatamente, ao som de palmas e vivas ensurdecedoras da platéia. 

Depois, Cauby zomba do bom gosto da platéia: "Se vocês gostarem desta próxima, podem aplaudir. Mas se não gostarem, é só silenciar", como se fosse possível silenciar diante do maior cantor do Brasil cantando nada menos do que a obra-prima "Beatriz", de Chico e Edu.

O nível infelizmente cai a seguir, quando Cauby decide dar uma colher de chá ao baterista e o deixa cantar a gasta "I just Called to say I love you", de Stevie Wonder, e cai ainda mais com a próxima música, "A Banda", composição que se não está à altura nem de seu próprio compositor, menos ainda está do maior cantor do Brasil. 

Mas as coisas melhoram muito, quando Cauby inclui em seu repertório duas músicas do querido Paulinho Tapajós. A primeira é a célebre "Andança", de Tapajós com Danilo Cayimmi e Edmundo Souto, e a seguir a bela "Cantiga por Luciana", de Tapajós e Souto. Belos arranjos e bela interpretação. 

O show se encaminha para o fim com o que eu suponho ser "Don't play me a symphony - A simple song will do" (Rolf Soja/Frank Dostal/Harald Werner), com rendição inspiradíssima de Cauby, que foi soltando a voz cada vez mais, em perfeitíssima forma, para aqueles que imaginam ter seu problema de saúde afetado alguma coisa. Como que mostrando ao público fiel que continua sendo o maior, Cauby canta o fado "Foi Deus", eternizado por Amália Rodrigues. Emociona o público quando diz, no fim: 

Foi deus
Que me pôs no peito
Um rosário de penas
Que vou desfiando
E choro a cantar
Fez poeta o rouxinol
Pôs no campo o alecrim
Deu as flores à primavera
Ai!, e deu-me esta voz a mim. 

"Bastidores" (na melhor interpretação que tenho visto em anos) e "My Way" encerram o show.

NÃO PERCAM!
Abraços

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Trabalho primoroso de colorização da foto de Cauby, feito por Reinaldo Elias
rjelias2000@yahoo.com.br

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