quarta-feira, 25 de junho de 2014

Igayara

Capa de março de 1968, desenhada
por Waldyr Igayara
(Fonte: Guia dos Quadrinhos)
Meus caros,
estava hoje à tarde completamente avoado, com a cabeça nas nuvens, quando, por qualquer razão, me veio à mente o nome de Waldyr Igayara. Pensei: "O que terá acontecido ao bom Igayara?"

Explico: Nos idos de 1987, quando eu contava parcos 15 anos e fazia pela segunda vez a oitava série do ginásio, um professor (ou professora, realmente não lembro mais) pediu um trabalho sobre Histórias em Quadrinhos. Fiz dupla com meu colega Gian Francesco (nome cabalístico na minha vida) e aproveitamos ser seu pai um executivo da Editora Abril para pedir uma recomendação. Ele sugeriu Igayara, que era diretor de redação, ou coisa que o valha, do departamento de HQ da empresa de Victor Civita. Lá fomos para o prédio da Editora Abril. Chuto hoje que talvez seja o prédio localizado em Pinheiros, mas não tenho a menor certeza.

O que sei é que Gian levou um gravadorzão, eu levei as fitas e passamos uma tarde agradabilíssima com Igayara. Sua praia era o desenho, começara na Abril como desenhista do Zé Carioca quando a revista foi lançada, em meados dos anos 60, mas nos deu verdadeira aula magna de História das Histórias em Quadrinhos. Falamos de Yellow Kid em diante, passando por Carl Barks até chegar a "Biquinho", personagem criado por Igayara e que era sobrinho do Peninha. Ele fez comentários sobre os grandes desenhistas brasileiros, Daniel Azulay, Walbercy Camargo e até Maurício de Souza, que deixara a Abril há pouco, em transação milionária com a editora Globo.


Com o querido Igayara em seu escritório, na Abril. A propósito,
a data nas fotos é da revelação, três dias depois

































Aqui e ali entravam pessoas para cumprimentá-lo. Percebendo nosso estranhamento, esclareceu: "Hoje é meu aniversário". 53 anos, coincidência total. Igayara foi gentil, didático e teve paciência evangélica com nosso absoluto despreparo. Respondeu com carinho e interesse tanto as perguntas sérias e relativas ao assunto, quanto perfeitas bobagens que improvisamos ali, deslumbrados que estávamos em ver de perto o lugar de onde saíam as revistas que líamos e colecionávamos.

Ao término da entrevista, pegando o gancho da informação que ele mesmo nos dera, de ter sido desenhista dos gibis da Disney, pedimos que desenhasse ali na nossa frente personagens como Zé Carioca, Pateta, Pardal e outros. Ele assentiu, bem humorado. Desenhou (muito bem, por sinal) no meu caderno e autografou. Na despedida nos encaminhou ao estúdio, onde fomos bem recebidos por alguns dos desenhistas da Abril, e ainda ganhamos dois ou três sketches de capas do Tio Patinhas e do Pato Donald que ainda não haviam sido publicadas.

12 de maio de 1987. Dia memorável. A primeira vez que entrevistei alguém.


Talento comprovado: os personagens Disney no meu surrado caderno de ginásio

Um dos desenhos de Igayara, que eu estupidamente rasurei a data,
achando que a data, na foto, era do dia da entrevista

No início da década de 90 Igayara se aposentou e montou uma escola de HQ. Veículo perfeito para a difusão de sua vasta cultura e de seu belo talento.

Somente hoje - brisando, quase 30 anos depois - soube que Waldyr Igayara de Souza se foi em 2002. Tinha apenas 68 anos. Era, já na época, e continua sendo, hoje, uma referência dos quadrinhos brasileiros.

Obrigado, mestre. Por ter dado aos quadrinhos brasileiros páginas de real valor artístico. E pela gentileza com que recebeu e ajudou dois adolescentes.

Obrigado!

terça-feira, 24 de junho de 2014

DÉCIO GRISI - 96 ANOS

Décio em 2013, lendo o primeiro volume da biografia de seu
velho colega de Câmara, Jânio Quadros

Hoje é o aniversário de 96 anos do querido amigo DÉCIO GRISI, último remanescente da legislatura de 1948 da Câmara Municipal de São Paulo - a primeira depois do Estado Novo - na qual foi colega de Jânio.

Décio foi um vereador operoso, trabalhador, lutou pelos interesses dos trabalhadores, dos professores, varejou bairros longínquos promovendo melhoras - esteve na Vila Maria antes do local tornar-se reduto político de Jânio - e cerrava fileiras ao lado de causas beneméritas, que tem conseqüências positivas até os dias de hoje, quase 70 anos depois.

Além disso, Décio é - junto ao saudoso Francisco Ladeira - pedra angular do segundo volume da biografia de Jânio. Seus depoimentos múltiplos, sua memória impecável e sua perene boa vontade são prêmios que nunca esquecerei e pelos quais acalentarei eternamente a mais fervorosa gratidão.

PARABÉNS, QUERIDO MESTRE!
(19/06/2014)

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Pedro Bloch e a estréia da "Companhia de Comédias Bibi Ferreira"

Meus caros,
Bibi estreou no teatro profissional em 28 de fevereiro de 1941 na Companhia Teatral de seu pai, com O Inimigo das Mulheres, de Goldoni. Trabalhou com Procópio por três anos até montar sua própria Companhia, que estreou com a peça Sétimo Céu, de Austin Strong, no Teatro Phoenix, no Rio, em 18 de julho de 1944. Direção do francês Georges Morineau, marido da então ainda desconhecida no Brasil, Henriette Morineau.

Na platéia estavam Procópio e o escritor Pedro Bloch, que ainda não explodira com As Mãos de Eurídice mas já era respeitável dramaturgo e jornalista, com coluna na prestigiosa revista Fon Fon.

Eis o que disse o bom Pedro Bloch sobre a estréia da Companhia de Bibi Ferreira na Fon Fon de 29 de julho de 1944:
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FON FON NO TEATRO
Sétimo Céu

Ele se chama Chico. Mais um ruído que um nome. Chico. Trabalha nos esgotos de Paris com um companheiro: o Rato. As ambições de Chico são enormes, entretanto. Ele não passará a vida toda como simples limpador de esgotos, não senhores! Um dia, sabem?, ele será promovido, se Deus quiser. Um dia ele deixará de ser um limpador de esgoto para se elevar acima da ralé: passará à classe privilegiada de... lavador de ruas.

Enquanto trabalhava, ao alto, sobre a sua cabeça, rolava, vertiginosamente, a vida de Paris. Paris!

Chico sonhava. Sonhava com o dia em que pudesse passar diante de Maximiliano Gobin e saudá-lo: “Boa tarde, colega!” E sabem os senhores quem era Maximiliano Gobin, a meta das ambições majestosas de Chico? Um presidente? Um cientista? Um milionário? Nada disso. Maximiliano Gobin era, nada mais, nada menos, que um lavador de ruas. Gobin podia trabalhar à luz do sol, ver Paris, sentir Paris em contato direto e luminoso e não através dos sombrios canos de esgoto.

Duas irmãs, fugidas da casa dos tios, também estão ali, no beco sem saída. Um dia Chico salva Diana, a menor das duas, arrancando-a das mãos de Nana, a maior, que tentava estrangulá-la, porque,  ao serem procuradas pelos tios, Diana contara-lhes toda a triste verdade. Elas já não são mais anjos de pureza. Chico salva Diana. Entretanto um policial aparece e quer levá-la, mas Chico, num de seus generosos impulsos, diz que não se trata de uma mulher vulgar, mas de sua legítima esposa, madame Chico. Para confirmar a mentira são obrigados a ir até a casa de Chico porque senão a polícia é capaz de desconfiar.

A Noite, 18/07/1944

Jacques Boulevard, Boul, é um chofer de taxi. O taxi tem um nome: Eloísa. O taxi herdou-o Boul de um amigo e o nome herdou-o o taxi de uma égua do mesmo nome já falecida. Boul tem uma grande ternura por Eloísa. Trata-a como se fosse um ser humano. E é Boul quem leva Diana e Chico (este agora promovido a lavador de ruas, graças ao Padre Chevillon que lhe deve a vida) até o palácio. Chegam. Um, dois, três, quatro, cinco, seis... sete. Sétimo céu. A vida começa a transcorrer com novas cores. Chico traz um vestido de noiva para Diana e pretende casar-se de verdade.

Mas antes de poderem casar... estoura a guerra. Chico precisa apresentar-se. Realizam então um casamento simbólico, perante Deus, a quem Chico, que é “ateu”, concede uma última oportunidade. Chico parte. Deixa Diana e o sétimo céu. É um rapaz formidável, conforme ele mesmo acentua a cada momento. Até a volta, Chico! Até a volta!

A Noite, 18/07/1944
Mas Chico não volta. Quem volta é Boul que vem contar a história heróica de Eloísa, seu táxi bem amado.

— Eloísa morreu, declara Boul dramaticamente. Vocês ainda não sabiam? Vou contar-lhes como foi. Minha pobre Eloísa! Aqui está Von Kluch com o maior exército do mundo, marchando através de Compiégne, às portas de Paris. O governo fugira para a nossa bela capital, prestes a ser arrasada. (Boul ia enfileirando, estrategicamente, sabonetes, garrafas e açúcar) Que fez papai Joffre? Não hesitou um momento. Ele sabia o que fazia! Chamou-nos. Todos os taxis de Paris, Conduzimos as nossas reservas. Assim!... Assim!... Assim!... Assim!!! Meu Deus! Que espetáculo! Aqui está Eloísa, bem na frente, correndo como um demônio, com sete soldados dentro e cinco na capota. E foi assim até o final! Heroicamente! Não falhou uma única vez!... Quando atingida por uma granada... capotou... e caiu na estrada... morta! Deus receba sua alma! Eloísa!

Enxugou os olhos com o dorso das mãos ao recordar sua heróica amiga.

Vem o armistício. Todos se alegram, mas Diana tem o coração dilacerado. Chico não voltou. Deus não existe. Chico não voltou! Mas Chico volta. Cego, cansado, doente... mas volta. Volta e abraça ternamente Diana:

— Morte? Tolice! Ri, Chico. Fui atingido por vários estilhaços, mas nada me pode matar. Nunca morrerei. E ainda hei de recuperar a vista. Vocês vão ver. Porque, minha querida Diana, o bom Deus existe. Ele está dentro de nós e nos faz agir e pensar. Agora que estou cego é que vejo tudo! E garanto-lhes que sou um rapaz for... mi... dá... vel!

Bibi em 1942
Esse é o resumo de Sétimo Céu, peça que marcou a estréia da Companhia de Comédias Bibi Ferreira.

Bibi Ferreira, vivendo o papel de Diana, deu-nos uma das mais extraordinárias interpretações já vistas em nossos palcos. Viveu intensamente seu papel, convenceu, emocionou, arrebatou. É uma grande, muito grande artista.

Ferreira Leite, no Boul, mostrou-nos sua envergadura de ator excepcional que é. Na cena em que nos conta a morte heróica de Eloísa chega a comover, profundamente, tal a veracidade e intensidade dramática atingidas.

Ribeiro Martins constituiu uma surpresa, uma grande surpresa, para todos nós. Um artista que, sem uma grande atuação nos palcos, consegue interpretar daquela maneira o papel de Chico, irá certamente muito longe.

Em outros papéis vimos: Álvaro Pinto, Alma Castro, Bittencourt, Edmundo Lopes, Suzana Negri, Pedro Veiga, Jorge Diniz, Salvador Leardini, Linda Hill, Hamilton Ferreira, Fernando Delmar e Maria Izabel, destacando-se o “Rato”, Suzana Negri em “Nana”, Jorge Diniz em “Brissac” e Hamilton Ferreira no “Padre Chevillon”. A peça é de Austin Strong, tradução de Elsie Lessa. A direção foi de Georges Morineau e os cenários, muito bons, de João Maria dos Santos.

O teatro sofreu uma reforma admirável, apresentando um aspecto de Municipal-mirim.

Aida Izquierdo, Bibi e Procópio

Papai Procópio apresentou a nova Companhia:

“Meus senhores e minhas senhoras! Certo sabeis que venho com o coração transbordando de alegria para felicitando-vos felicitar-me a mim mesmo. Não venho falar com a desenvoltura do ator que aplaudis, mas com a carinhosa timidez do pai”.

Procópio está comovido. Não é para menos. No fim do segundo ato, quando o público aclama Bibi, Procópio está chorando.

E creio que foi a maior emoção que o nosso grande ator já sentiu num palco de teatro. Procópio estava no Sétimo Céu. Talvez no oitavo.

“Está inaugurada a filial!”, declarou Procópio no final de seu discurso.

Acho que Procópio não se sentirá ferido em seus brios de grande artista, porque o que eu vou dizer se dirige não ao seu orgulho de ator consagrado, mas à sua carinhosa timidez de pai:


— Procópio. Eu te felicito. A filial é melhor que a matriz.

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