sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Sobre a polêmica das biografias


Meus caros,
confesso que tem me faltado tempo para acompanhar essa polêmica acerca das biografias. Instado, porém, por alguns amigos, deixo impressões que, se não solucionam nada, pelo menos trazem informações que ajudarão o leitor a decidir.

1 – Quando artistas se metem a falar sobre assuntos que não são de sua seara, geralmente vem abobrinha. Não vou nem mencionar a multidão de atores, atrizes, cantores, cantoras e compositores falando pelos cotovelos e doutrinando, como grandes estudiosos, nas campanhas do PT nas décadas de 80 e 90, e a ausência envergonhada de 99% deles nas campanhas do PT de hoje. Prefiro citar o exemplo da VEJA, que publicou uma matéria de capa sobre Cazuza, quando este ainda vivia. Matéria com o espírito de porco típico da VEJA, sensacionalista, explorava abertamente a desgraça do compositor, e chocou todo mundo. Dias depois um grupo de artistas se juntou para desagravar Cazuza e pariu um manifesto caótico, canhestro, mal-escrito, que acabou pior do que a ofensa da revista.

É o que acontece quando artistas desatam a tagarelar sobre política, meio ambiente, direito, sociologia, feminismo, educação e assim por diante. No afã de demonstrar um conhecimento que não têm, falando pela rama e crendo que só quem está ouvindo são as vacas de presépio de seus fã-clubes, acabam dizendo bobagens, se enrodilhando e fortalecendo o lado adversário. Se quando estão sendo sinceros já metem freqüentemente os pés pelas mãos, a coisa desanda de vez quando estão advogando em causa própria, que é o que vemos com as biografias. Conta Marcel Prenant que Marx enviou a Darwin uma cópia francesa de seu soporífero O Capital. A resposta de Darwin é um primor de humildade que precisa ser seguido por esses artistas: “Sou apenas um biólogo e não entendo nada dessas questões”.

Compositores devem fazer o que sabem: compor. Não digo a eles como fazer música, não venham me dizer como escrever uma biografia.

2 – Sem entrar nesse carrossel de acusações, reclamações e polêmicas, quero dizer que entendo perfeitamente o receio desses artistas. Eles são conhecidos. Vivem em um aquário. Sabemos quem foram as esposas de Caetano, que Roberto Carlos perdeu uma perna, que Gil é um canabista convicto, e assim por diante. Escrever uma biografia deles e passar ao largo de tudo isso é hipocrisia. Eles sabem disso e morrem de medo de que sua intimidade seja devassada. E não só isso; temem, como qualquer pessoa honesta, que a calúnia e a mentira se transformem em regra.

E por quê? Eis um exemplo: Nos Estados Unidos há uma vagabunda chamada Kitty Kelley que se especializou em lançar biografias mentirosas e escandalosas. O esquema é simples: o lançamento é feito, uma campanha publicitária monstruosa acompanha o lançamento, um milhão de cópias são vendidas e quando a justiça decide que o livro é calunioso e o retira das livrarias, editora e escritora já encheram os bolsos. A indústria da mentira é das mais prósperas, que o digam os tablóides ingleses. É o que disse Mike Wallace (citado no filme The Insider): “A fama dura quinze minutos, a infâmia dura bem mais”.

Mike Wallace
Só que esse é o preço que se paga pela liberdade de expressão que esses artistas tanto ajudaram a concretizar. É, aliás, o preço que se paga pela liberdade em geral: a eterna vigilância, como diz o adágio. E o que é a eterna vigilância? É o que a maioria do povo, sem cultura e sem discernimento, não tem: bom senso, bom gosto, critério. Por que se criou aquela classificação de idade para cada horário? Porque no momento em que acabou a censura oficial, pais que assistiam TV com seus filhos de 8 anos foram surpreendidos com beijos de língua no Sítio do Pica-Pau Amarelo, cenas de sexo na novela das sete, ou nudez frontal num programa que passa domingo à tarde. Sou a favor dessa classificação? Sou. Sou a favor de arrolhar a imprensa, como tentou fazer aquele escroto apedeuta do Lula, porque o Estadão publicava diariamente os desmandos da família Sarney? Não. Há sempre dois lados na mesma moeda.

3 – O meu caso é curioso. Jânio é uma figura pública e durante décadas sua história tem sido contada da pior maneira, com preguiça, distorções, equívocos e parcialidade. Quando entrevistei Tutu, no único depoimento que ela deu sobre seu pai até hoje, impressionei-me de tal forma com sua sinceridade que senti a necessidade de avisar-lhe, em dado momento, que eu provavelmente usaria muito daquilo que estava sendo gravado, em meu livro. A resposta dela é lapidar: “Pode usar à vontade. Só não vá mentir”. Tive acesso irrestrito à família de Jânio — arredia e escaldada pelas agressões da imprensa e de biógrafos incompetentes — porque deixei claro desde o começo que minha pesquisa era profunda, bem documentada e, sobretudo, honesta.

Para a família de Jânio — como deve ocorrer na família de qualquer pessoa que levou uma vida PÚBLICA — não existe nenhum receio de que o biógrafo entre em determinados aspectos pessoais de sua vida, desde que o trabalho seja pautado por essas três regras simples: bom senso, bom gosto e critério. Uma biografia chapa-branca, creio eu, é tão perniciosa quanto um livro de mexericos e boatos. A verdadeira preocupação é que a história seja MAL CONTADA.

O livro de Tão Gomes Pinto sobre Maluf,
exemplo perfeito de literatura chapa-branca
4 – Deve haver uma legislação especial para as biografias, que procure impedir a veiculação intencional de calúnias? Não sei. Talvez. Não vou responder sumariamente e incorrer no mesmo erro dos artistas que enfiaram seu bedelho numa discussão que deve ser realizada sem paixões e rasgos de indignação. O que penso, realmente, é que se qualquer caluniador fosse punido exemplarmente, esta discussão não existiria. Joel Rennó não matou Paulo Francis com a mera possibilidade de que o jornalista tivesse que pagar por sua calúnia?

Vamos conversar sobre o assunto. A mesma coisa vale para a pena de morte, o aborto e dezenas de outros temas que nunca foram discutidos de maneira apropriada, porque sempre aparece a turminha fanática e estraga tudo.

O que torna impossível qualquer resultado produtivo são erros judiciais flagrantes — como a proibição inexplicável da excelente biografia de Roberto Carlos, escrita por Paulo César de Araújo, pura e simplesmente porque o rei não quer que saibam que dia houve em que ele não foi um devotíssimo cristão — e idiotices como sugerir a apresentação dos originais ao biografado, sua autorização para que um livro seja escrito ou (pior de todas), que royalties sejam pagos ao biografado! Isso é dar a faca e o queijo ao censor.

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