terça-feira, 24 de setembro de 2013

José de Todos os Amigos



José Aparecido,
Sua lealdade é antológica. Serve para contar às crianças, como história de fadas... era uma vez... um homem sério... (Carta de Jânio a Aparecido em 1968)

José Aparecido de Oliveira (17/2/29 – 19/10/2007) era o vice-rei da capitania de Conceição do Mato Dentro. Foi o divulgador e benfeitor-mor da pequena cidade mineira. Nunca esqueço de minha viagem até lá, em 2001, a fim de entrevistar Zé para meu livro sobre Jânio. Na noite de minha chegada fui à Câmara Municipal assistir a solenidade de entrega do título de “Cidadã de Conceição” à esposa de Zé, Leonor. Atrás da mesa da presidência, uma parede com retratos de diversos políticos que fizeram parte daquela edilidade. No centro uma foto de Zé, três vezes maior do que qualquer outra. Curioso, viro-me para o sujeito que estava a meu lado: “O Zé fez política regional?”, pergunto. “Não”, responde-me o sujeito. A presença da foto, e seu tamanho, eram proporcionais àquilo que ele representava para o município.

José Aparecido de Oliveira (1979), foto de Isabel Garcia

Para a maior parte do povo brasileiro, Zé foi apenas um político proeminente de Minas, com mais de quatro décadas de vida pública. Para quem o conheceu pessoalmente, porém, ele era o “José de todos os amigos”. Unanimidades são quase comuns na política de Minas; não há quem não admirasse Wenceslau Braz, quem não considerasse Milton Campos uma reserva moral, quem não visse em Afonso Arinos um expoente de nossa intelectualidade, quem não tenha chorado na morte de Tancredo e assim por diante. Mas Zé guardava uma unanimidade sui generis: era querido por todos. Dentro e fora da política. Entretinha relações da mais calorosa amizade com correligionários e adversários, capitalistas como Magalhães Pinto e comunistas da velha guarda como Niemeyer, figuras tão díspares quanto ACM e Sobral Pinto, era amado pela classe artística, festejado pelos empresários, colega de todos os jornalistas, espraiou sua amizade pelo mundo, tornou-se amigo e íntimo de líderes europeus e africanos. A amizade era sua doença crônica. A política, entretanto, lhe minava a saúde.

Colóquio mineiro com Gustavo Capanema
e Santiago Dantas

Com apenas 40 anos já havia sido jornalista, assessor de Magalhães Pinto, secretário particular de Jânio na presidência, secretário estadual — interino ou efetivo — nas pastas da Agricultura, do Governo e do Interior e Negócios Jurídicos, e deputado federal, eleito em 1962. Foi cassado na primeira lista do golpe de 64. Vivia às voltas com uma úlcera que o incomodava de tempos em tempos, mas em 1971 foi a vesícula que berrou e o levou a internar-se para uma operação. Terá sido nesse momento que recebeu a maior prova do quanto era querido por seus amigos. Naquela convalescência, no hospital ou depois em sua própria casa, cassado, sem qualquer influência política. Passo a palavra ao mestre Sebastião Nery, que lá esteve e registrou suas impressões no artigo “Romaria a Minas”, publicado em 18 de maio de 71 no carioca Tribuna da Imprensa:

A visita a Itajubá, entre o velho e bom Wenceslau
Braz e Magalhães Pinto

O gordo Antônio Maria (“Ninguém me ama, ninguém me quer”) foi um exímio artesão de frases felizes. Por exemplo: “Brasileiro, profissão: esperança”. Chego aqui a Belo Horizonte e encontro uma freira enxotando do hospital, nove horas da noite, uma leva de gente que queria apenas visitar o recém-operado jornalista e deputado cassado José Aparecido de Oliveira.

Lembrei Antônio Maria: “José Aparecido, profissão: amizade”. Em vinte anos de batente de redação, nunca tinha visto coisa igual. Quando os homens estão no poder distribuindo favores ou simplesmente esperanças, a gente ainda entende. Mas para um político que nunca fez do poder instrumento de amabilidades e muito menos torneira de benefícios, que há sete anos está riscado da vida pública e não manipula qualquer tipo de poder, esta consagração que Aparecido está recebendo à beira da cama de operado é um fato surpreendente, de funda grandeza humana e de irrecusável conteúdo político.

Não vou dar aqui os números, porque muitos de vocês os pensariam exagerados. Mas, em duas semanas de hospital, Aparecido recebeu muito mais de mil pessoas, vindas de todos os estados do Brasil. Quer dizer, os que foram lá e deixaram o nome escrito no livro de controle do hospital. Porque os que conseguiram falar (por cuidado dos médicos ou por fora de horário) ou escreveram ou telefonaram, contaram-se aos milhares.

Os jornais já falaram das visitas importantes: Juscelino, Jânio — “entrar num avião, nesta altura da vida é uma prova de minha amizade pelo Aparecido; é coisa que não faria nem pela minha Eloá” — governadores, senadores e deputados. Mas o que mais me impressionou foram grupos de pessoas de distantes cidades do interior de Minas, gente das quais, evidentemente, Aparecido nem sequer lembra o nome. Chegavam, davam-lhe um abraço, saíam. Como quem tivesse vindo apenas dar o recado da amizade.

A visita de Jânio ao hospital, em dois momentos: o primeiro, acima, em conversa compenetrada...
... e o segundo, surrealista, com Jânio acendendo o cigarro tendo a mãe de Aparecido, Aracy, e um cilindro de oxigênio como testemunhas do absurdo.
Convalescendo em casa, a presença indefectível da mãe e a visita do colega
e amigo no governo de Jânio, Oscar Pedroso Horta

E o telefone? Tocava dia e noite, de todo canto. Quando acabava a ligação de Natal, vinha a de Porto Alegre. O médico lhe deu alta sábado. Mandou-o repousar em casa. Domingo, pela manhã, a romaria continuava. Saiu Magalhães Pinto, entrou Pedro Aleixo, Walter Fontoura vinha de São Paulo, Paulo de Tarso, ex-ministro, voltava para São Paulo. Tocam a campainha, é um grupo de homens do norte de Minas. E padres, e jovens, e jornalistas, e gente simples do povo, “para saber se o deputado está passando bem”. Duas horas da tarde, o médico gritou. Meteu Aparecido dentro de um automóvel e o exilou para uma fazenda. Para cicatrizar a operação.

Sebastião Nery e
Aparecido em 1992

Conto essas coisas porque me convenci de que dois fatos explicam essa romaria nacional a Minas, para ver um jornalista operado. Primeiro, as excepcionais qualidades de liderança que ele não conseguiu engavetar, mesmo riscado da atuação política. Aparecido chegou ao poder quando a maioria de seus colegas de geração mal saía da faculdade. E soube representar nossas idéias e nossas posições com humilde bravura e imaculada fidelidade. Talvez ninguém, neste país, tenha tido tanto poder nas mãos, antes dos 30 anos, quanto ele. E nunca jogou pela janela o interesse nacional.

A segunda razão é aquela que Malraux eternizou em “La Condition Humaine”. Aparecido é uma honra da condição humana. Amarra pela amizade, milhares de sujeitos, os mais diferentes, de um país tão grande e tão incomunicável. Quem consegue isso é porque fez do ser amigo uma ação e uma doação permanentes.

Como prova esta surpreendente romaria a Minas.
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