segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Entrevista com ALVIN L - Parte 1


Marina Lima
Meus caros,
estava eu, certa vez, checando e-mails no intervalo do meu trabalho, em novembro de 2002, quando vi um banner publicitário no UOL que anunciava um Bate-Papo com a cantora e compositora Marina Lima para dali a alguns dias. O banner avisava que os internautas que enviassem a pergunta mais original à cantora ganhariam um convite para assistir a entrevista ao vivo. Como qualquer pessoa que teve sua adolescência na década de 80, eu conhecia Marina, considerava-a linda, sexy, e gostava de suas músicas, sem no entanto ter comprado seus LPs. Ouvir no rádio, nas trilhas de filmes e de novelas era suficiente.

Mas naquele momento, na correria do intervalo, me veio à lembrança um clipe que assisti no Fantástico, no início da década de 80, da música "Gata todo dia", em que Marina entrava em uma sala e cantava Eu sou uma gata/ E não gosto de água fria/ Pega logo no meu pêlo/ Seu carinho me arrepia/ Não quero água/ Tomo banho é de lambida, tudo de acordo - tanto o video como a música, a letra e o visual dela - com a deliciosa estética da época, hoje considerada tão brega e que eu particularmente aprecio muito.

Querendo ser mais engraçado do que o conveniente, escrevi correndo para a promoção do banner, enviando a seguinte pergunta: "É verdade que a Marina só toma banho de lambida?", e voltei para o trabalho. À noite, moído pelo dia cheio e cansativo, estava deitado, descansando quando toca o telefone. Do outro lado, uma pessoa qualquer do UOL me comunicando que minha pergunta havia sido selecionada e que eu poderia assistir a entrevista ao vivo. Sonado, não consegui juntar A com B e obriguei a pessoa a repetir o que acabara de dizer. Só aí compreendi que minha pergunta idiota e ofensiva provocara risos na equipe que selecionava as perguntas e que eu era um dos sete ou oito escolhidos para acompanhar pessoalmente o Bate-Papo de Marina no UOL.

Quatro ou cinco meses depois, através de uma menina que estava nesse Bate-Papo, acabei assistindo o Acústico de Marina, gravado nos estúdios da TRAMA, no bairo de Vila Leopoldina, em São Paulo. E daí por diante entrei em contato com uma série de fãs com quem assisti shows da cantora e conheci melhor sua carreira. Foi quando ouvi falar pela primeira vez em Alvin L, parceiro de Marina em tantas composições memoráveis, e há vários anos o letrista mais célebre do Capital Inicial. Em fevereiro de 2004, a menina que conheci no Bate-Papo (Mileine), duas garotas (Renata e Vicky) que conheci nessa legião de fãs, e eu, entrevistamos Alvin. Esta é a primeira vez que releio o material na íntegra, desde aquela época. Fiquei prazerosamente surpreso. Quase que sem querer, fizemos uma entrevista de fôlego, divertida e informativa, nos moldes das magníficas entrevistas do Pasquim. Fomos da infância ao apogeu profissional e à atualidade, esmiuçando cada um dos fatos mais marcantes da vida de Alvin. Nada seria possível, entretanto, se o compositor não fosse um sujeito inteligente, articulado, descontraído, bem-humorado e absolutamente sincero.

Na época o orkut era incipiente, eu não tinha um blog e o único meio de publicar a entrevista foi o Multiply, site que não gosto e que sempre considerei pesado e burocrático. A entrevista acabou não sendo divulgada como merecia. Com quase sete anos de atraso, portanto, aqui vai ela finalmente, por uma mídia bem mais simples e de fácil acesso.

Divirtam-se.
Bernardo
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ENTREVISTA COM ALVIN L

INTRODUÇÃO

"No Brasil, o autor é apenas um nome que consta no cd e raramente é lembrado por quem o compra”. A frase é de uma verdade inegável, especialmente quando constatamos que Orestes Barbosa, Humberto Teixeira, Newton Mendonça, Guilherme de Brito, Aldir Blanc, Fernando Brant e tantos outros são virtualmente desconhecidos do grande público. De inegável, essa verdade se torna cruel quando descobrimos que estes senhores são nada menos do que os autores das letras, respectivamente, de obras-primas como “Chão de Estrelas”, “Asa Branca”, “Desafinado”, “Folhas Secas”, “O Bêbado e a Equilibrista” e “Travessia”.

O autor da frase, aliás, é um destes anônimos ilustríssimos, sem os quais a música brasileira seria mais pobre: Arnaldo José Lima Santos, conhecido, respeitado e admirado no meio artístico pelo nome que adotou quando finalmente se profissionalizou: ALVIN L. Em fevereiro deste ano, Renata, Mileine, Vicky e eu estivemos no Rio e tivemos a oportunidade de fazer uma longa entrevista com Alvin. Nosso objetivo inicial – colher algumas informações sobre sua convivência pessoal e profissional com Marina Lima – acabou se desdobrando na mais completa entrevista já cedida pelo grande compositor de “Eu não sei dançar”. Sempre gentil, humilde e atencioso, Alvin nos recebeu em seu apartamento, no bairro do Flamengo, e por mais de quatro horas – bebendo coca-cola, enquanto nós secávamos uma a uma as cervejas que ele tinha na geladeira – ele nos divertiu com a história de sua vida.

São mais de 25 anos de carreira que misturam personagens tão díspares quanto Eugênia Melo e Castro e Regininha Poltergeist, passando por Serguei, Marina Lima, Dinho Ouro Preto, Renato Russo, Leila Pinheiro, Herbert Vianna, Ana Carolina e dezenas de outros. Alvin fala com tranqüilidade e bom humor de como o sucesso o eludiu, enquanto ele quis ser “pop star”, e de como esse mesmo sucesso imediatamente lhe sorriu quando ele deixou o palco de lado e se tornou a grande figura por trás dos “pop stars”. O Rock Brasileiro dos últimos 30 anos é passado em revista pela ótica atilada e madura de quem viveu a época e experimentou todas as alegrias e revezes de um artista superior. Essa é a maneira que Marina Lima o apresenta em seus shows, e não consigo imaginar maneira melhor de apresentá-lo:

– Com vocês, o querido e talentoso ALVIN L!

Bernardo Schmidt
Fevereiro de 2004
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Bate-Papo pré-entrevista

Alvin: "E você sabe que o meu nome de família é
 Lima Santos, né? Tinha uma época em que eu
ficava dizendo que era filho da Marina com o Lulu".
ALVIN – Marina é uma das pessoas que mais se cuida, que eu já vi na minha vida. Você olha as pernas dela... ela tem 48 anos! A pele dela é parecida com a de vocês, assim... tudo no lugar.
RENATA – Na estréia dela em BH, nós estávamos conversando com ela no camarim, e eu não resisti de falar "posso perguntar um negócio? Que creme você usa?? É só isso que eu tenho pra perguntar” (risos)...
A – Eu perguntei isso, também.
R – Ela disse "ah, os cosméticos são maravilhosos"...
A – E ela diz que usa desde os 17 anos.
R – E não toma sol, né?
A – A pele dela é ma-ra-vi-lho-sa, quisera eu... eu acho que eu vou até pedir o telefone do dermatologista dela, pra tirar um monte de mancha da cara (risos)...
R – Ela estava do meu lado, eu precisei perguntar, porque...
A – Não, mas ela é perua! A Marina é super perua... você começa a falar dessas coisas, ela vai e...
BERNARDO – Mas ela não dava essa impressão no início da década de 80, né? Ela parecia ser mais, assim...
A – Mas talvez na época ela fosse uma perua meio disfarçada, mas parece que ela sempre foi. Cara, eu já fiz uma música com ela - juro pra você - ela fazendo a unha, e a gente compondo! (risos)
R – Nossa...
MILEINE – Ah, é? Que música?
A – Foi na época do "O Chamado"...
B – “Stromboli”?
A – Não, “Stromboli” é só minha... acho que só tem "Stromboli" e "Deve ser assim", acho que é "Deve ser assim". E teve uma outra que ela não gravou que a Leila Pinheiro gravou, que eu fiz na mesma época. Ela fazendo a unha da mão, e depois do pé e eu com o violão falando "vem cá, é assim mesmo?..." (gargalhadas), e a manicure fingindo que nada estava acontecendo... (gargalhadas).
B – Mas você vê a Marina nos clipes do início da década de 80, ela parece ser assim uma mulher despojada...
A – Mas era a estética da época... pós hippie, pós-punk...
R – Aquele programa do Multi-Show que passou, ela novinha de 18 anos, maquiadíssima...
B – Mas calma aí... essa foi a primeira vez que ela aparecia na Globo, não sei o que lá, mas você vê o clipe do Fullgás, por exemplo... lá ela tá relaxada...
A – Com aquele visual “Flashdance” horroroso... (risos) ela deve estar querendo apagar esses videos...
R – Mas era moda.
A – O problema de você fazer qualquer coisa que está muito na moda é que envelhece muito rápido, e você vai se arrepender.
R – Alvin, você lembra do clipe do “Corações a mil”?
A – Qual era esse?
B – Esse é um daqueles clipes do Fantástico...
A – Sei, feito em VT...
R – Ela tá com vestidinho verde, franzidinho, cabelão, batom vermelho...
A – Ih, ela estava de vestidinho, é?
R – Ahã.
A – Devia estar apaixonada. Ela só usa vestido quando está apaixonada (ri).
B – Ahhh...
R – E ela corria, assim, e vinham vários homens, atrás, só que homens, assim, horríveis! (risos) Eles sempre estão correndo atrás dela e aí tem um que já está correndo há meia hora, que faz assim do lado dela (imita a cara do sujeito); e ela (imita a cara de Marina)... meu, o clipe é hi-lá-rio!!
A – (risos) Eu nunca vi esse...
B – Tem o clipe também de “Gata Todo dia”...
A – Como é que é? Cara, eu nunca vi.... o do “Fullgas” eu vi...
B – É tudo do Fantástico. Os clipes do início são do Fantástico. Ela chega com uma calça justíssima, maravilhosa, muito gostosa, e ela entrava e (canta) "Eu sou uma gata", e se jogava num sofá...
A – Putz, isso é da época do “Certos Acordes”, é muito antigo...
B – Acho que foi 81, né? 82? Mileine, “Certos Acordes” é de que ano?
M – 82.
A – Eu acho que foi quando eu me apaixonei por ela, esse foi o primeiro disco dela que eu... aliás, eu comprei antes, tenho até hoje, o primeiro compacto dela, simples, dela, da Asylum Records, não era nem...
B – Que música era?
A – Era uma música do Caetano Veloso, "Muito". É o primeiro compacto dela...
B – É o compacto do próprio "Simples...".
A – E o lado B era.... esqueci o nome, (canta, hilário) "Mas o Leblon é um deserto..." [“Tão Fácil”]
R – E a capa tem foto dela?
A – Do compacto? Não.
R – Porque eu tenho um compacto dela que eu achei no Mercado Livre, que é o "Tão Beata Tão À Toa", que era a apresentação de uma novela, "Corpo a Corpo", e do outro lado tem "Me Chama".
A – Isso já deve ser no meio dos anos 80, né?
R – Ela com cabelo curtinho... é.
A – Eu também colecionava compactos, mas só de punk, Rolling Stones, essas coisas. Eu tenho uma coleçãozinha de rock brasileiro dos anos 80, mas eu não levo ela muito a sério (ri).
B – Por quê?
A – Porque a de Rolling Stones, por exemplo, eu pago fortunas no e-bay [versão norte-americana do Mercado Livre]...
B – Ah, tá.
A – Essa semana mesmo paguei 150 dólares num... finalmente consegui. "Hei de vencer mesmo sendo professor" (ri).
B – Ah, a Renata e eu somos clientes do Mercado Livre, já fizemos uma varredura nos singles da Marina à venda lá.
A – Vocês colecionam a obra dela.
B – Eu na verdade vou dando de presente pra elas.
M – Eu ganho de presente.

Single de "Notícias"

A – É, tem essas coisas. Eu tenho um aqui que eu comprei na época, o primeiro compacto que saiu no Brasil, do Sex Pistols. Eu comprei na época nas Lojas Americanas, custava 1 e 70, o equivalente a 3 reais, hoje em dia. Custa 500 dólares no mercado exterior. Isso é um lucro de... 2.500%!
B – Mas você não pretende vender, evidentemente. Esse é o problema.
A – Não! Várias pessoas já me fizeram ofertas! Porque às vezes eu fico na Internet conversando com colecionadores, e eles sempre perguntam. Um cara em São Paulo me viu com a camiseta que é a capa, tal, e perguntou "você tem disco do Sex Pistols brasileiro", não sei o quê, assim, falei "tenho", "quanto você quer nele?". Aí eu falei "Não, eu não tô a fim de vender". Aí ele foi esperto e tentou: “Eu te dou... 50 reais...", sabe, achando que era aquele puta preço (risos)! "Sorry, mas eu sei quanto vale... (ri)". Mas a prensagem brasileira! É por ser a prensagem brasileira, não vendeu nada, sabe, mas vale...
B – É a mesma coisa nos sites do Kiss, por exemplo, você vai ver os vinis, os compactos da década de 80 que foram lançados no Brasil...
A – Que valem uma fortuna. E profissional vende no e-bay, não vende no Mercado Livre. Você vende pro mundo inteiro.
B – Você no e-bay conseguiria o que você quisesse.
M – Agora, o teu cd é uma relíquia.
B – Ah, é.
A – Volta e meia me perguntam. Outro dia eu estava no supermercado, virou um cara pra mim, me pegou pelo braço e me falou assim, "onde é que eu acho o primeiro do Sex Beatles?" (risos) O cara me pegou pelo braço! O segundo disco você ainda encontra, o primeiro é que é impossível.
M – Agora, esse... (risos) [mostra o cd solo de Alvin]
B – A Mileine.... a gente tem que te dizer: a Mileine é a tua fã número 1!
A – (ri) É mesmo?
M – Sou.
R – Ela é.
B – Mileine é a tua fã número 1!
M – Nem do Capital eu sou tão...
A – Agora não vai ser mais, né, porque já conheceu, viu a bagaceira que é (gargalhadas)...
B – Imagina...
M – Imagina, agora... olha, se antes eu gostava...
A – Você sabe que uma coisa que eu aprendi é que eu não quero conhecer nenhum dos meus ídolos. Nenhum. Assim, eu idolatro o chão que o David Bowie pisa... eu não quero conhecer porque você se desencanta... porque é uma pessoa normal como qualquer outra. Às vezes até mais pancada do que o normal.
B – Nós trouxemos a Mileine como consultora, inclusive (risos). E a Renata trouxe uma descoberta, recente, que são as tuas músicas com o Ritchie.


O cantor e compositor Ritchie

A – Ritchie! É verdade, ele gravou duas músicas. Eu amo o Ritchie. Eu conheci ele há pouco tempo. Eu conheci ele numa festa de reveillon, e aí depois, assim 1 mês depois ele me ligou e me falou “vamos fazer umas músicas”, mas não deu muito certo.... não entendi...
B – É aí que tá, ele pode não ser um sucesso absurdo, mas ele tem um pessoalzinho que vai comprar com certeza.
A – E tem fãs, mas não vendeu muito não... vendeu tipo 3 mil cópias... vendeu pouco... até que vende disco, quer dizer, até que é um selo bacana. O Fala Mansa é do Deck, né? O primeiro disco do “Fala Mansa” vendeu 1 milhão de cópias.
B – Mas enfim... vamos...
A – Vamos lá, vamos ficar sérios. (risos)
B – Agora sim. Parou, parou...
R – Não, agora é que a gente vai começar a NÃO ficar sérios. Agora é hora da gente fazer um comentário. A gente conversou com você na porta do Palace, não sei se você lembra...
A – Sim, claro!
R – E você não tinha o “Acústico”, e agora estou vendo que você já tem! (risos)
A – É, eu tive que comprar, sabia? (risos) No contrato da minha participação estava especificado, porque a EMI é assim, que eles iam me dar três cds e três dvds! Três! (gargalhadas)
B – Tomara que não faça falta a eles.
A – Eu imaginava que iam me dar uma caixa de cds e uma caixa de dvds, e tava no contrato que iam me dar três!
R – Zero três.
A – E não mandaram! E quando eu liguei lá pra reclamar ficaram me passando de uma pessoa pra outra até uma que falou assim “ah, não tem mais...”. Eu pensei em processá-los por causa disso (risos), mas não ia fazer isso por causa de três cds, né?
M – A gente pensou em te dar de presente...
A – Pode dar porque eu só tenho um!! (risos)
B – O cd você ganhou? A gente vai te dar o cd.
A – Não, eu tenho o cd. Eu comprei tudo, eu sou fã da Marina (risos). Mesmo se eu não tivesse participado eu ia comprar. (a Bernardo) Engraçado, eu me lembro de você, mas eu me lembro de você mais baixo. Você cresceu? (risos)
B – Eu cresci, de fato. É meu aniversário, estou crescendo (risos) [era, realmente, meu aniversário].
A – É verdade.
B – Eu ainda estou em fase de crescimento, mas já já vou começar a encolher.
R – Eu cresci pro lado (risos).
B – Como é que você lembra da Renata?
A – (risos) Não, eu me lembro mais ou menos disso. Eu me lembro de você e me lembro de uma outra...
M – A Nayara.
A - ... que é de Belo Horizonte, que ficou falando que estava no mesmo hotel que eu. Aí eu a vi no dia seguinte, ela com a mãe dela no café da manhã. Dela eu me lembrava porque a vi dois dias seguidos. Eu estive na terra dela, na semana passada, no casamento do Yves Passarel, do Capital.
B – Você fala Yves Passarel do Capital, eu penso no Yves Passarel do Viper.
A – Do Viper.
B – Conheci o Yves na época do “Soldiers of Sunrise”.
A – Casou com padre e tudo. Noiva de véu e grinalda...
B – Quem diria, né? Aquele head-banger inveterado...

A – Pois é, os padrinhos éramos eu, a Penélope da MTV, toda tatuada... (risos), que o padre falou lá “que a mulher é que tem cuidar do casamento”, e ela “que absurdo!!” (gargalhadas). Ela já criou um clima, o cara olhou pra ela, lá, toda tatuada, falou “vou pegar leve”, né? Foi hilário.
R – Ela estava vestida de tatuagens, né? Ela não precisa por roupa.
A – Eu adoro a Penélope, sabia? Eu acho a melhor coisa da MTV de longe! Ela é de verdade, ela não tá fazendo pose, ela fala “ah, eu não sei nada sobre isso!” Ela não é bonita, ela não tem vergonha de ter pneu, e tá lá mesmo, botou uma blusinha, “tô com calor e pronto!” É legal isso.
B – A MTV tinha um programa de perguntas e respostas eróticas que era com a Babi e o Jairo, mas a Babi... realmente ela não sabia o que ela dizia, o Jairo era aquela coisa acadêmica, e a Penélope tira de letra qualquer pergunta.
A – Eu acho genial, um puta exemplo pra mulheres, adolescentes que estão vendo a MTV, ver uma mulher que não é magra, é tatuada, sabe, tem orgulho do que é, é sensacional.
R – Gente que é escrava de modinha...
A – Pois é.
R - E estando numa emissora...
A – Não, não sou nem contra, se está gorda dá um jeito, tenta emagrecer, mas em forma legal, todo mundo tem que... mas tem gente que não tem jeito...
R – Não, e eu acho que o legal e você estar bem, e se ela está bem assim...
A – E ela não tem jeito, ela é assim mesmo. Ela é meio gordinha e... vai fazer o quê? Lipo? Vai ficar se torturando...
B – Não, e isso não tem nada a ver com ela, também.
A – Acho genial, isso. Acho genial o exemplo que ela dá. E chegar no casamento e falar “que absurdo!!” Parou, ficou todo mundo...
B – O Marcelo Nova tava lá?
A – Não. Ela era madrinha, ela e o André, o do... como chama o...
B – André Matos.
A – André Matos, que é outro amor de pessoa.
B – Eles são amigos?
A – São casados.
B – Não, eu digo o André e o Yves, porque eles eram do Viper, o André saiu, foi pro Angra...
A – São, são amigos.
B – Não teve stress nenhum, então...
A – Ele era padrinho. A Penélope era madrinha mais por causa dele.

INFÂNCIA E JUVENTUDE

B – Que ano você nasceu, Alvin?
A – Você vai me forçar a dizer isso... (risos)
R – Putz...
B – (risos) Eu... eu... só pra começar do zero...
R – Ele vai falar “gente, agora eu vou ter que ir no dentista, vocês podem ir embora?” (risos)
A – (Diz com desprezo) 60...
B – Você é carioca?
A – Não, eu nasci em Salvador.
R – Hum?
A – Não, não sou baiano. É o seguinte: minha mãe é baiana e ela teve todos os filhos dela lá. Eu nasci lá, duas semanas depois eu estava no Rio, minha certidão de nascimento já é do Rio. Mas nasci em Salvador, BA.
B – E você passou tua infância no Rio de Janeiro?
A – Toda a infância. Eu morei dos 7 aos 9 em Salvador quando meus pais se separaram e minha mãe resolveu voltar. Mas aí eu me lembro, assim... dos... eu me lembro das ruas, você acredita? Eu sonho com as ruas de Salvador. E eu voltei lá, dos 7 aos 9, depois eu voltei lá quando eu tinha uns 14, umas férias de família, tipo uma semana, duas, e aí nunca mais eu voltei. Agora, eu não tenho nenhuma afinidade baiana, cara. Eu gosto de música baiana, a música é maravilhosa, mas não sou chegado àquele oba-oba, aquela coisa de baiano. Meu pai é paulista de Taubaté. Nasceu lá, também foi criado em Sergipe, se mudou pra Salvador com 15, porque o pai dele era engenheiro construtor, meio que viajava... e conheceu minha mãe lá, aí mudaram pro Rio... por que é que eu tava falando isso?
B – A infância em Salvador, a balada...
A – Ah, sim, eu não tenho nada de baiano, assim, e eu tenho um problema com baiano que é assim: baiano não entende o conceito de privacidade. Eles não entendem, não entra! O Roberto Frejat me falou assim que no sítio dos Novos Baianos o banheiro não tinha porta! Porque as pessoas não concebiam alguém fechar uma porta! “Pra quê que vai fechar a porta, você vai esconder alguma coisa de alguém?” Baiano não entende privacidade, se você estiver com dor de cabeça, doente, num canto, vai ter três conversando do teu lado... eles não entendem, e você fala “eu quero ficar sozinho”, “mas por quê?” (ri) Não entendem, eles não entendem o conceito de privacidade. Eu adoro a comida, mas não tenho muita simpatia pelo espírito baiano de ser, assim...

B – Você não tem nenhuma baianidade.
A – Nenhuma. Preguiça, talvez. (risos)
B – Então até os 9 você morou lá.
A – Dos 7 aos 9.
B – Dos 7 aos 9. Aí você voltou pro Rio de Janeiro.
A – Fui voltado pro Rio de Janeiro (risos). Fui levado pra Salvador e fui voltado pro Rio de Janeiro.
B – E aí você ficou direto.
A – Direto. Eu morei durante uns três, quatro meses, quase seis com meu pai no interior de São Paulo numa cidade chamada Cosmópolis. Foi a única época, assim, mais de quinze dias que eu morei fora do Rio, fora essa de Salvador.
B – Quando foi isso?
A – Acho que eu tinha uns 13, 14 anos.
B – Aí, Rio de vez.
A – Sim, geral. Moro aqui, só não sou nascido aqui.
B – E a música começa...
R – Não, calma.... por favor: “Alvin L ponto”.
B – Ah, bem lembrado.
A – Você quer saber por causa do L? Meu nome é Arnaldo José, o nome do meu pai e do meu avô. Quando eu entrei na faculdade, com 17 anos, eu tinha uma banda punk e eu tocava baixo. Era tipo Ramones, só que na época em que ninguém tinha idéia do que era Ramones. E eu tocava baixo daquele jeito (faz o som) “to-do-do-do-do-do!”, muito rapidinho, uma nota só, não sei quê, e tinha um guitarrista chamado Alvin Lee (“Li”, na pronúncia em português), inglês, que era famoso por ser muito rápido, tocando, aí me botaram o apelido de Alvin “Lixo” (gargalhadas). Porque eu era punk, era rápido tocando, era o Alvin Lixo. Quer dizer, quando era punk, era engraçado; depois que você vai virar um profissional você não vai assinar um disco da Marina, “música de Alvin Lixo” (risos). Aí você começa a reconsiderar... mas mudei muitos anos antes. Quando eu comecei a virar profissional eu já botei o L, ficava moderno, assim.... Alvin L. E eu ainda assinava com dois “x”. Era “Lixxo” (gargalhadas). E você sabe que o meu nome de família é Lima Santos, né? Só que é um nome só, eu sou parente dela! (risos)
R – Vcs podiam fazer uma música juntos e colocar “de Alvin e Marina Lima”.
A – É, os Lima. Tinha uma época em que eu ficava dizendo que eu era filho dela com o Lulu (gargalhadas). Aí ela dizia “mas é um nome só!”, e eu “bom, mas são dois nomes comuns que vocês têm, então...”.

Alvin Lee

B – Renata, conta pra ele como é que escreveram o nome dele no DVD.
A – Tá errado?
R – Escreveram ou tá na legenda?
B – Tá na legenda.
R – O seu nome, no DVD, está “Alvinele”.
B – Alvinele.
A – Tudo junto?
R – Tudo junto! Escrevem com E, L, E. Alvinele.
A – Mas é porque a Marina fala “Alvinele”, ela meio que liga as duas coisas, então o cara deve ter entendido.
B – Mas ele não podia ter olhada a capa?
A – Ela fala “Alvinele”, você já reparou isso?
M – É, na rádio, acho que na Nova Brasil, em São Paulo, a locutora também falava “agora você vai ouvir Marina Lima e Alvinele”.
A – É. Acho que é porque ela fala assim. Mas também, que nomezinho eu fui arrumar, né? Outro dia eu fui na casa de uma amiga, o porteiro perguntou: “Sua graça”. Falei “Alvin”. O cara foi ligar, nem perguntou, achei estranho porque eles sempre me perguntam “O quê??”, o cara ligou: “Seu AOVIVO tá subindo!” (gargalhadas) Mas eu tô acostumado, assim, as pessoas levam um tempo pra... “o quê??”, “Alvin”...agora eu falo assim: “Calvin Klein, tira o C, Alvin”. Na próxima encarnação eu vou escolher uma coisinha menos complicada (risos).
B – Agora, como é que a música entra na tua vida?
A – Bom, vou te contar uma historinha: meus pais não eram muito musicais, não tinha muita música em casa. Eu me lembro muito de ouvir música em rádio, desde criança, coisas que me impressionaram muito, Beatles, aquela coisa, parece muito antigo na minha cabeça, me lembro de ouvir pela primeira vez “Satisfaction” dos Rolling Stones e ficar.... sabe aquela distorção da guitarra, na hora eu me apaixonei por aquilo, eu amo distorção até hoje. Eu devia ser criança... tempos depois eu forcei o meu pai, “vamos numa loja de discos, eu quero aquele disco do Rolling Stones”, eu via Beatles na TV... mas enfim, a minha formação com a música vinha vindo, não tinha em casa, meus pais não tocam instrumentos, não são particularmente musicais. Tinha uma vitrola em casa, mas os únicos discos que tinha na minha casa eram discos de historinha, mas assim dos anos 40, 50... eu me lembro de uma de Robin Hood...
R – Nem era colorido...
A – Não, bolachão, tudo com aquela capa que é de... é meio papel, meio tecido, ainda... e só de historinha. E eu estou contando isso porque depois, o fato de eu ser mais letrista, até, do que fazer melodias talvez venha disso. Eu escutava historinha.
B – Aquele português antigo...

"Com 13 anos vi o Bowie no auge do Ziggy
 Stardust e o Mick Ronson com uma guitarra
 maravilhosa e decidi: “eu quero ser popstar”.
A – É, uma coisa meio... e bem, meu pai me contou que desde os 7 anos eu chegava pra ele quando eu queria dinheiro pra comprar chiclete, sei lá, eu ficava cantando pra ele, inventava uma musiquinha pra ganhar dinheiro. Anos depois eu contei essa história e me disseram “desde então você já fazia música por dinheiro” (risos). Tive que falar “é, eu fazia música pra ganhar dinheiro”. E aquilo sempre me interessou de uma certa forma. Quando eu tinha uns 13, 14 anos, eu sempre gostei de Beatles, Stones, que era uma coisa que tá em todo lugar, né? Tá no rádio, aparece na TV, num filme, era uma coisa que tá presente, aí você abre uma revista e vê David Bowie no auge do Ziggy Stardust, você olha aquilo com 13 anos, na época em que ele era muito moderno, muito diferente... aí você vê o Mick Ronson do lado, todo louro, com uma guitarra maravilhosa, “eu quero uma!!!”, eu olhei aquilo, falei assim “eu quero ser popstar”. Eu decidi.
B – Foi ali.
A - Foi ali.
B – A gente pode dizer que as grandes influências, então, são esses ícones, Beatles, Rolling Stones, Bowie...
A – É, exatamente, “glam rock” em geral, Bowie foi uma coisa que me impressionou muito, de você ver aquilo, aquilo era muito do outro mundo, era uma coisa, assim, você ver na época, assim, com 13, 12 anos, era um impacto que você não tem hoje em dia.
B – Alguns desses que começaram nos anos 70, seja o Alice Cooper, Sabbath, Deep Purple...
A – Eu gostava de tudo. Já saí gostando, assim, principalmente quanto mais do mal, mais eu gostava. Eu sempre fui chegado no... do mal, assim, T-Rex, o cara cheio de coisa na cara, piolho, tal, tô gostando... (risos).
B – O Alice Cooper, então...
A – É, mata galinha no palco, opa, então tô lá! (risos) Eu tenho três irmãs que eram do mal, também, então era todo mundo junto. “Olha essa banda, aqui, eles carregam caixão”, “Oba, vamos comprar o disco agora” (risos). Quanto mais do mal, melhor.
B – O teu gosto musical você depurou, você criou e você desenvolveu sozinho, então. Sem influência...
A – Não, mas imagina que o meu pai ia gostar de David Bowie?!
B – Não, digo, mas isso não veio do nada, veio de você mesmo, você criou o teu gosto musical.
A – Exatamente. Eu vi aquilo, gostei, a música me disse coisas... eu sou bilíngüe, né, fui educado em duas línguas, três, na verdade.
B – Português, inglês e...
A – E francês, só que francês eu me desinteressei quando adolescente, e hoje falo muito pouco. Mas aí você tem acesso, a língua não é estranha, você entende o que está sendo falado, e aquilo também era um mundo muito novo. A primeira música do Ziggy Stardust o cara está descrevendo o fim do mundo quando as pessoas sabem que o mundo vai acabar. O que é que elas fazem, a bicha que vomitou em cima do guarda, o padre que tirou a roupa e quis trepar no poste (risos)... e música brasileira é sempre “ai, meu amor, meu benzinho”...
B – Ah, a Jovem Guarda era inocente...

Mick Ronson

A – É, a música brasileira era muito calcada na tradição portuguesa, é tudo muito sentimental, então você pega o disco de um grande artista brasileiro, se tiver uma música que não é de amor, é muito. Todo mundo é amor, meu benzinho, isso, aquilo, ou eu te amo ou eu sinto falta de você ou tudo in between. E essa coisa de rock’n’roll não, era diferente, falava de coisas, não sei quê, e disso e daquilo e daquilo outro, sabe, se ficava enlouquecido.
B – Então você não teve qualquer influência de MPB, digamos, de bossa-nova, de samba, de... você foi ver isso depois ou nem chegou... nunca...
A – Não, nunca. Eu tive uma fase nos anos 80, assim, que eu falei que “eu tenho que ter algum tipo de cultura brasileira”, fui e ouvi bossa nova, e tal... eu acho legal mas não é a minha onda. Sempre fui rock’nroll.
B – Chico, Caetano, Gil...
R – Tom Jobim...
A – Não, é claro que você tem canções maravilhosas, isso não se pode negar, mas eu ficava pensando “você podia ter uma distorçãozinha aqui... (risos), uma bateria um pouquinho mais pesada ali”...
B – E quando é que você começou a se meter nesse meio?
A – Deixa eu ver... bom, aí voltando, nessa época eu resolvi: “eu vou ser pop-star, é minha carreira, é minha vocação. Eu tenho vocação para estar com uma guitarra pendurada”. Apoquentei a família até que alguém me deu uma guitarra. Não foi nem meu pai nem minha mãe, foi um tio.
B – Que guitarra?
A – Cara, era uma guitarra usada que eu vi num jornal tipo “Balcão”, eu não me lembro como era o nome do... Não, não! Foi numa loja de instrumentos, em Copacabana, tinha um negócio lá de instrumentos usados.
B – Aquela brasileira... Gianini...
A – Cara, acho que não tinha nem marca, sabia? Era uma guitarra que parecia uma fender-jaguar, mas era brasileira e o cara tinha raspado, era um hippie... eu me lembro da guitarra até hoje. Depois eu vendi, não devia ter vendido. Sabe aquele símbolo hippie, o pé-de-galinha? Ele tinha aquilo grudado na guitarra como se fosse um contact, que eu tirei, porque aquilo não me dizia nada, mas ficou a marca, eu tive que passar esmalte em cima (risos)... e fui aprender guitarra. Não tomei uma aula! (ri) Eu cheguei em casa e falei “mas é muito complicado... eu não vou aprender essa porra nunca!” E isso, vamos dizer, em 75... que era uma época em que o rock progressivo ainda era, tal, então você tinha que ser virtuoso. Você não imaginava ser um pop-star sem saber tocar como só viria ser dois anos depois: aprenda três acordes e vai nessa!

Sex Pistols e Ramones

B – Punk não existia naquela época.
A – Punk não existia, então era inimaginável e mesmo assim eu persisti. Eu era um pré-punk! (risos) Você acredita em sincronicidade? Sincronicidade é uma coisa assim: várias pessoas em vários lugares do mundo, ou de uma cidade, estão pensando da mesma forma e não estão conectadas ainda. Estão pensando a mesma coisa, estão tendo a mesma idéia, estão fazendo a mesma coisa e não estão conectadas ainda, e fatalmente eles vão se conectar. E foi exatamente assim que o punk aconteceu; um monte de gente pensando a mesma coisa e de repente apareceu o Sex Pistols e juntou todo mundo ali, né, Ramones, sei lá, foi todo mundo ali. Eu tomei essa única aula de guitarra, me pareceu muito difícil, eu pensei “o que é que eu faço?”, eu comprei um livrinho pra aprender a fazer acordes. Levei seis meses pra fazer um acorde, sei lá. Aí um dia eu olhei, falei assim: “Guitarra é muito difícil, vou tocar baixo!” (risos) Ele só tem 4 cordas...
R – Meu, não é nada fácil baixo...
A – Não é nada fácil, nenhum instrumento é fácil... pra tocar direito. É diferente, é uma outra linguagem, dentro da música um baixo faz uma coisa... aí eu apoquentei a família inteira pra que me dessem um baixo. “Mas você não encheu o saco pra ganhar uma guitarra? Não está tocando guitarra?” (risos) Até que o mesmo tio... (risos) Tio Paulo, mas ele é o irmão mais novo da minha mãe; ele é talvez dez anos mais velho que eu, só. Então é garotão, ainda, não era casado, na época, não tinha filho, não sei quê, trabalhando, ganhando um dinheiro, tal, “toma aí”. E o baixo era um pouco mais fácil, porque era uma nota de cada vez, você ia assim, pelo menos dava pra encarar, né? E foi aquela coisa toda, em três semanas eu falei: “Estou preparado para uma banda”. Tudo isso, pra mim, hoje em dia parece que levou muito tempo entre uma coisa e outra, mas não, deve ter sido um espaço de oito meses, um ano. Porque o tempo é diferente para uma pessoa que tem 14 e uma pessoa que tem 40. Um ano pra quem tem 40 não é nada. Quando você tem 15 é enorme.

VÂNDALOS

B – Agora, você estava em uma banda?
A – Não, só eu! Com a cara e a coragem.
B – Você era um solo, ainda.
A – (ri) Baixista solo. Aí minha irmã conhecia um cara que tinha uma banda que estava precisando de um baixista, e lá fui eu com a cara e a coragem e claro que o cara me olhou e falou assim: “Você tá brincando comigo”. Foi minha primeira experiência. Aí, sei lá, tempinho depois explodiu o Punk. Quando explode o Punk você olha assim e diz “esse cara dos Ramones está tocando uma nota de cada vez muito rápido”. Só isso. I can do this. Que bom, graças a Deus! Salvo pelo gongo. Imediatamente eu pensei que queria fazer uma banda como o Ramones. Aí ia nas lojas de discos e botava anúncios, “uma banda tipo Ramones”, ficava esperando o telefone tocar e ninguém ligava! Ninguém ligava. Aí um dia liga um maluco: “Que banda é essa?” Aí eu falei “uma banda, assim, toca punk-rock”, e o cara “não sei, não sei, eu gosto de YES...”. Aí um belo dia eu botei um anúncio na revista POP: “Procuro guitarrista, baterista e cantor pra formar uma banda de hard rock”, rock pesado, pra não assustar as pessoas. Depois que eles chegassem eu mostrava, “olha, é uma coisa mais assim”. Cara, aí um belo dia toca o telefone e me liga um cara que fala assim: “Olha, eu vi o teu anúncio”, “pois é, pensando em formar uma banda de hard”, “que que você toca?”, “toco baixo”, “eu toco guitarra”, “pô, que ótimo”, não sei quê... aí, papo vai, papo vem, o cara fala assim “pô, legal te conhecer, cara, eu não conheço outros músicos, estou tentando fazer contatos, mas eu não quero formar exatamente uma banda de hard rock”. Eu falei “não? Pô, que pena, né?”, e o cara “pois é, eu tô querendo formar uma coisa mais punk, tipo Ramones..”. Eu falei “não acredito!”

B – Sincronicidade.
A – Sincroniciade. Eu botei uma anúncio querendo um guitarrista tipo Ramones, Sex Pistols, botei no anúncio “hard rock”, pra não assustar, e me aparece um cara que queria a mesma coisa que eu. Tocamos anos juntos. Começamos nos Vândalos, no Rapazes de Vida Fácil a gente ainda tocou junto. E ele tocava bem pra caralho! O Herbert [Vianna] até hoje fala que ele era o melhor guitarrista do Brasil. Ele tocava muito bem, cara, era uma loucura. Chama-se Ronaldo Aguiar.
B – Vocês ainda se falam?
A – Olha, quando os Rapazes de Vida Fácil acabou ele meio que se desiludiu com música, a família dele era um pouco careta demais, pressionava ele, não sei quê... a última vez que eu soube dele, ele casou e passou a lua-de-mel em Macaé (ri), que é mais ou menos como você em São Paulo se casar e passar a lua-de-mel em...
B – Araçoiaba da Serra.
A – Araçoiaba da Serra, muito menos glamouroso. Foi a última que eu soube dele (ri). Não o vejo há 20 anos.
B – E a banda com ele se chamava “Vândalos”?
A – Vândalos. Eu que escolhi os nome, eu fazia as músicas, eu chegava “está aqui esta música: Marta pensa que é uma mosca”. Primeira música que eu fiz inteira, se chamava “Marta pensa que é uma mosca” (gargalhadas). Minha primeira composição, que depois o Dinho pegou um trecho dela e cantou num disco do Vertigo [banda que Dinho Ouro Preto formou quando deixou o Capital Inicial, no início da década de 90, e que chegou a lançar o cd “Vertigo”, em 94]. Ele queria gravar “Marta pensa que é uma mosca”, mas era muito tosca. Aí ele falou “mas eu gosto desta parte. Posso botar nessa música?”, eu falei “vai nessa”.
B – E colocou?
A – Colocou. Quer dizer, até minha primeira música já foi gravada de certa forma. Aí eu tocava só baixo, mas eu fazia todas as músicas... punk, mesmo, tinha eu e esse outro cara. O baterista era um alegre que adorou tudo, assim, “punk? Que legal, o que é que eu faço? Raspo aqui?” (risos), e o cantor que era meio hippie. Gostava de Jim Morrison, mas tudo bem, Jim Morrison dá pra aturar, né, então o cara entrou na banda. Foi um erro porque no final das contas ele queria fazer uma coisa mais elaborada e eu acabei saindo.
B – Quanto durou o Vândalos?
A – Cara, eu não sei te dizer... talvez de meio de 77 até meio de 78...
B – Vocês chegaram a gravar?
A – Não. Tem uma fita k7 dessas que eu guardo, tenho até que passar pra cd porque vai deteriorar, mas é muito tosco, muito tosco mesmo. Fizemos uns shows. Tem gente que lembra desses shows até hoje. Tem um grupo chamado Dorsal Atlântica, que você já ouviu falar...
B – Lembro, lembro, rock pesadíssimo do início dos anos 80...

Dorsal Atlântica

A – O guitarrista desse grupo chegou pra mim num show e me disse: “Eu comecei a tocar por sua causa”. Eu esqueci o nome dele. Ele viu os Vândalos e começou a tocar por causa dos Vândalos, o mesmo efeito dos Sex Pistols nas pessoas. Mas os Vândalos não eram a primeira banda punk do Rio. Depois eu fui descobrir que antes de nós começarmos a ensaiar, já tinha uma banda chamada Crise de Nervos, tocando desde o início de 77 e os paulistas dizem que as primeiras bandas punk são de São Paulo, e são todas de 79 e 80, quer dizer, até os Vândalos é anterior.
B – Onde é que nós podemos colocar o Made in Brazil nisso?
A – O Made in Brazil é uma banda de rock básico, tipo Rolling Stones, outra história.
B – Eles eram mais pesados, né? Não era punk, mas...
A – Olha, o punk, na verdade, a vertente do punk era a vertente dos Rolling Stones; vem de Chuck Berry, se você for traçar a linha evolutiva, porque Beatles foi uma coisa que deu o rock progressivo e secou, né? A influência deles é enorme no pop em geral, mas a linha que venceu, de rock’n’roll, é a linha dos Rolling Stones. Que virou punk, que virou grunge, que virou deus sabe o que mais, que é a vertente que foi, né?
B – Que vai se metamorfoseando de alguma forma até hoje.
A – É, que tem ambigüidade sexual, peso, um pouco de descuido com aquilo, as letras falam de coisas às vezes não tão agradáveis, displicente... Beatles era uma coisa mais metódica, era arte, era talento puro...
B – O que é que você lia, naquela época?
A – Cara, lia revista de rock até em alemão, que eu não falava uma palavra, via na banca e comprava, juntava dinheiro...
B – Circus.
A – Circus...
B – Creem.
A – A Creem pouco, porque não chegava aqui. A Circus eu entrei no e-bay outro dia e comprei um pacote de Circus da época.

B – Aquelas de 71, 72...
A – Não, depois, 74, 75... 71 eu era muito jovem, ainda tava assim, meio... a época que mais me fascina é 72, 3, até depois o Punk.
B – Mas eu digo literatura, você tinha um lastro cultural...
A – Leio, eu sempre li muito. Cara, tinha uma época em que lia 3 livros por semana. Eu era sócio da biblioteca pública, eu ia lá, pegava três livros por semana e lia em todo o meu tempo ocioso, eu sempre gostei muito de ler. Hoje em dia gosto até menos do que eu gostava, quer dizer, não é que gosto menos, mas tenho menos tempo ocioso. Sempre gostei muito do [F. Scott] Fitzgerald, os autores americanos da década de 20, [Ernest] Hemingway, Oscar Wilde, eu sempre releio Oscar Wilde, tô sempre relendo...
B – E aquela coisa mais filosófica, [Jean Paul] Sartre...
A – Tudo isso eu li, [Jean] Genet, Sartre, coisa, mas não são exatamente meus favoritos, eu não sei porquê, mas eu gosto de uma coisa que tem um certo humor implícito ou um certo drama implícito, como o Fitzgerald tinha.... alguém falava que eram “dramas à beira da piscina”, eu sempre gostei muito desse tipo de drama à beira da piscina (risos).
B – E literatura brasileira?
A – Menos... não por literatura americana por si, mas eu sempre li muito em inglês, é uma forma de eu me conectar com a língua e não perder o hábito. Morando no Brasil você não fala inglês e lendo, pelo menos, eu mantinha a língua viva dentro de mim. Brasileiros eu gosto do Rubem Fonseca, por exemplo...
B – Mais contemporâneo.
A – É, mais contemporâneo. Eu sempre quis ler Machado de Assis e nunca consegui. Dizem que é ótimo. Todo mundo fala que é muito bom e eu quero ler, um dia. Mas Machado de Assis sempre tem aquela cara de livro que você tem que ler na escola, que você é meio obrigado a ler, então acho que é por isso que eu sempre tive um certo problema.
B – Poesia?
A – Não, detesto poesia (risos). Fico muito irritado quando me chamam de poeta (risos). Sério, é a mesma coisa que estivessem me chamando de hippie (risos).
B – Agora, Punk tudo bem, né?
A – Punk tudo bem. Sou um punk velho, né, o que é que vou fazer (risos)...
R – E desde o começo das tuas bandas o teu negócio eram as letras?
A – Eu sempre fazia a letra... eu nunca imaginei não fazer a letra de uma música, aliás, eu nunca imaginei nenhuma das bandas que eu tive, não fazer a música. Era inimaginável pra mim eu não fazer as músicas. Eu tinha esse drive, eu sempre tive. Assim, eu nunca me considerei um compositor, era uma coisa natural. Eu já chegava... nos Vândalos eu já tinha meia dúzia de músicas próprias. Era automático. Não que fossem boas, mas eu tinha esse drive, eu sempre tive.

Rubem Fonseca

B – Uma usina de composições.
A – Não, cara, eu não pensava nisso, eu juro pra você, eu nunca pensei... quer dizer, hoje em dia é claro, mas eu nunca pensei, assim, “eu vou sentar e vou fazer uma música”. Eu pegava o violão e fazia a música.
R – Esse negócio de sentar e fazer a música... na maioria das vezes é uma coisa que está acontecendo, daí você pensa, “vou falar sobre isso”?
A – Sim, você sempre tem a idéia a partir de alguma coisa que te comove.
R – Não, mas não como uma tarefa, né, “preciso fazer aquela música de fulano”, e tal...
A – Não, hoje em dia é um pouco assim. Hoje em dia eu componho mais por tarefa, assim, é raro eu fazer uma música sem ter um dono, já.
B – E por inspiração?
A – É muito raro, hoje em dia. Muito raro. Mas durante metade da minha vida foi assim, eu fazia sem propósito algum.
R – Agora, a música pronta e fazer a letra é pior, né?
A – É difícil, pra mim. É muito difícil pra mim. Ultimamente eu tenho até feito. A Marina foi quem começou a me convencer a fazer isso. Eu fui fazendo, hoje em dia eu faço, dependendo da pessoa, ou da complicação da música. Uma vez o Guinga mandou uma música pra eu botar letra. Gente, tudo tinha 30 notas, cada compasso, não tinha parte A, B, C, assim, era A, B, C, D, E, F, G, sabe... eu fiz a letra, aí ele não gostou (risos)... ah, eu tirei nota daqui, botei nota ali, falei “ah, quer saber?”, sabe, ainda tinha que ser tudo... ele é de outra escola, né?
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Parte 2
Parte 3
Parte 4 - Final

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