segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Arena Conta Zumbi, de Guarnieri, Boal e Edu Lobo


Guarnieri, Boal e Edu Lobo
Guarnieri não trabalhou no Arena durante 4 anos, de 58 a 62. O sucesso de Black Tie lhe abriu portas fora do âmbito redondo da Theodoro Bayma, e nos anos seguintes ele escreveu Gimba para Maria Della Costa, com cuja companhia viajou pela Europa, e A Semente para o TBC. Como as duas montagens foram dirigidas por Flávio Rangel, ele ficou no TBC com Flávio e trabalhou como ator na desastrosa Almas Mortas de Gogol, e na exitosíssima estréia de A Escada de outro mestre contemporâneo, Jorge Andrade.

Depois de A Escada, ainda em 62, Guarnieri voltou ao Arena, não mais na qualidade de autor, mas de dono. Formou uma sociedade com Augusto Boal, Juca de Oliveira, Flávio Império e Paulo José e compraram o Arena de José Renato, deixando-o como diretor honorário. A primeira montagem da nova fase foi A Mandrágora, de Maquiavel, estreada em setembro de 62. Em março de 63 Guarna protagonizou O Noviço, de Martins Pena. Em agosto de 63 veio O Melhor Juiz, o Rei, de Lope de la Vega. Todas com ótimo público.

O ano de 1964 parecia predestinado à desgraça. O governo de Goulart se encontrava nos estertores e o Arena sem peça que pudesse seguir o sucesso de O Melhor Juiz, o Rei. Guarnieri, talvez pressentindo a desgraça que se avizinhava, escreveu às pressas O Filho do Cão, drama social violento passado no campo.

Boal, Juca, Flávio Império e Guarnieri, na época de A Mandrágora
A peça estreou em fins de janeiro de 64, e dois meses depois veio o golpe. Como o texto, que não foi dirigido por Boal mas por Paulo José fosse, segundo o próprio Guarna, um "tratado sobre a miséria", e mostrasse sem rebuços a dominação inescrupulosa do pobre e ignorante pelo rico e instruído, o Arena achou por bem tirá-la do cartaz antes que ela fosse censurada. As ligações do Arena com o CPC e toda a intelectualidade esquerdista brasileira eram públicas e notórias, e não demoraria para que a polícia política começasse a reprimir. O Arena fechou.

Guarnieri e Juca em
O Melhor Juiz, o Rei

Chegando um dia em sua casa e vendo-a cercada de policiais, Guarna achou por bem sair do país. Casado, com 30 anos e dois filhos, não podia dar-se o luxo de ir preso. Com Juca de Oliveira, foi para a Bolívia, onde ficou 3 meses. Voltou quando soube que seu pai fôra internado. O primeiro espasmo repressor havia arrefecido e Guarnieri retomou suas atividades no Arena.

Era preciso denunciar a supressão da liberdade através do teatro, mas de uma forma em que os realizadores não corressem o risco de sumir. A primeira solução encontrada foi encenar Tartufo, a maravilhosa comédia de Molière que desnuda a hipocrisia e a canalhice dos falsos carolas. A analogia entre o beato imoral e os papas da "redentora" era óbvia, mas o espetáculo não foi proibido e alcançou grande sucesso. Algo mais contundente era necessário. Algo cortante, violento, que alertasse o povo de maneira clara, inconfundível.

Lima Duarte, Guarnieri e David José, em Tartufo

Entra em cena a música. O Arena de há muito vinha abrindo o teatro às segundas-feiras para apresentações que misturavam música e textos. Da mesma forma, determinados artistas do Arena tinham formação eminentemente musical, como Ary Toledo e Sérgio Ricardo. Ainda em 64, Guarnieri e Paulo José roteirizam o show Historinha, que entrou em cartaz no Paramount com o elenco do Arena. Só que era no Rio que se estruturava o primeiro grande golpe musical na ditadura: o espetáculo Opinião.

Estrelada por Nara Leão, ZéKetti e João do Valle, a peça estreou em dezembro de 64 no Teatro de Arena do Rio de Janeiro, com roteiro de Armando Costa, Paulo Pontes, Vianinha e Boal, e direção deste último. Opinião alterna músicas e textos que mostram o brasileiro em todas as facetas de sua simplicidade e combatividade. Teve sucesso maciço e imediato, e levou Flávio Rangel a preparar seu próprio espetáculo na mesma linha, Liberdade, Liberdade.

Guarnieri não quis ficar de fora e começou a estudar idéias. Com efeito, como bem observou Cláudia de Arruda Campos, "a nova forma que elude a censura vai valer-se sobretudo do poder sugestivo e elíptico da canção. Inaugura-se entre cena e público uma relação de grande interação, de cumplicidade que vai se reiterar em todos os musicais que se seguem. Só através dessa corrente contínua a palavra cantada no palco poderá atingir sua plenitude de significação" (Zumbi, Tiradentes - São Paulo Perspectiva, 1988). Só que a obra de Guarna e Boal teria um diferencial importantíssimo: a música original.

Edu Lobo, Aloysio de Oliveira
 e Nara Leão

Em fevereiro de 65, sem esperar que Guarna e Boal dessem sequer a forma inicial ao espetáculo, Luís Vergueiro chamou o jovem de 21 anos Edu Lobo, que vinha do bem-sucedido A Música de Edu Lobo por Edu Lobo, produzido por Aloysio de Oliveira com arranjos do Tamba Trio, a fim de encontrar Guarnieri e discutir músicas de uma peça do Arena. Para a surpresa de Guarna, Edu chegou do Rio, perguntou-lhe qual era a peça que estava escrevendo e levou uma resposta nada animadora: "Nenhuma".

"Nós ficamos ali, os dois sem graça, sem saber o que fazer", conta Edu. "Comecei a tocar violão, a tocar algumas das minhas canções. Tinha uma música que eu tinha feito com o Vinicius, chamada Zambi. E o Guarnieri: Zambi, humm, Zumbi, tal, Quilombo dos Palmares, quem sabe é por aí".

Guarnieri também lembrou a célebre noite com Edu, em entrevista a Fernando Peixoto em 1978: "Edu veio, achando que existia um texto pronto para ele musicar, mas a gente não tinha nada. A não ser a inquietação. (...) Eu tinha a idéia da 'sala de visitas'. Você pega três atores numa sala de visitas e se eles quiserem eles contam a história, passando do passado para o futuro, do campo de futebol para o Himalaia. Surgiu a magia do 'conta'. E Edu começou a cantar umas músicas novas para a gente. Cantou uma sobre Zumbi. A gente passou uma noite loucura pela cidade e às 8 horas da manhã estava na praça da República comprando o livro do João Felício dos Santos, Ganga Zumba. Resolvemos contar a história da rebelião negra. Arena conta. Começamos a pesquisar. Boal chegou. Todos juntos. O elenco também. Dentro da maior alegria, da maior euforia. Todo mundo rompendo coisas até no nível pessoal e todo mundo buscando coisas novas. Época de euforia e alegria mesmo. E Boal organizando o trabalho coletivo". (Teatro em Movimento - São Paulo, Hucitec, 1986)

Arena Conta Zumbi estreou em 1° de maio de 1965 no Teatro de Arena de São Paulo, com Gianfrancesco Guarnieri, Lima Duarte – trazido ao grupo por Chico de Assis em 61 – David José, Chant Dessian e Anthero de Oliveira. No elenco feminino, a cantora Marília Medalha e as atrizes Dina Sfat e Vanya Sant'Anna. Exatamente uma semana antes, no dia 25 de abril, estreava no Rio Liberdade, Liberdade, seguindo o sucesso de Opinião. No elenco estavam Paulo Autran, Nara Leão – que abdicou da montagem paulista de Opinião para poder participar do espetáculo de Flávio Rangel, indicando para seu papel a novata Maria Bethania – Vianinha e Tereza Raquel.

A espinha dorsal de Arena Conta Zumbi vem do romance de João Felício dos Santos e conta a epopéia do Quilombo dos Palmares desde a vinda de Zambi ao Brasil, num navio negreiro, até a morte de Ganga Zumba. Mas é uma coluna documental, histórica, e não artística. Essa é toda de Guarnieri e Boal, e se percebe a cada segundo, como por exemplo na inclusão de frases inteiras de um discurso do General Presidente Castelo Branco nas falas do governador Dom Ayres.

Segundo a maravilhosa Dina Sfat: "O que deu origem ao Arena Conta Zumbi foi o Edu tocar Zambi, que tinha feito com o Vinicius. Lá em São Paulo, ele ficou hospedado no apartamento do cantor Agostinho dos Santos, e aí ele vinha ao teatro, ouvia tudo que o Boal e o Guarnieri tinham escrito, pegava seu violão, tirava umas harmonias, iniciava uma canção, ia embora, compunha solitariamente, voltava à noite ou no dia seguinte e as músicas estavam todas prontas, e o pior, pior não, o melhor, é que tudo cheirava à obra-prima". (Bastidores, Vol. IV, Letras e Expressões, 2001)

A imaginação privilegiada, a cultura popular e a criatividade pujante e seivosa de Guarnieri e Boal, aliada à inspiração jovem e singular de Edu Lobo nos apresentam uma obra-prima atrás da outra. Desde a introdução em ritmo de baião, quando Marília Medalha e Guarna conduzem o canto que diz que "os atores têm mil caras, fazem tudo nesse conto, desde preto até branco", sinalizando a utilização do que depois se convencionaria chamar o tal "sistema coringa", até quando avisam que "há lenda e há mais lenda, há verdade e há mentira". Em seguida a doída chegada de Zambi, cantando a agressiva Zambi no navio negreiro (originalmente É o banzo, irmão). Mas o melhor está por vir. O momento em que os escravos quilombolas falam das belezas do quilombo aos escravos que estão chegando, ainda desconfiados, é de uma maravilha indescritível. A Embolada das Dádivas da Natureza é certamente uma fonte onde Chico Buarque bebeu intensamente (e não é à toa que se tornaria parceiro musical de Boal no futuro):

De toda forma e qualidade tem,
oi tem pindoba, embiriba e sapucaia
tem titara, catulé, ouricurí
tem sucupira, sapucais, putumujú
teu pau-de-santo, tem pau d'arco, tem tatajubá
sapucarana, canzenzé, maçaranduba
tem louro paraíba e tem pininga

Pare meu irmão
de falar em tanta mata
com tanta planta eu não sei o que fazer
mas diga lá se tem bicho pra comer

De toda forma e qualidade tem,
onça pintada, sussuarana e maracajá
E tem guará, jaguatirica e guaxinim
e tem tatu, tatu-peba, tatu-bola
tem preguiça, tem quatí, tamanduá
E coelho que tem, tem, tem
queixada que tem, tem, tem
caititú oi tem também
oi diz que tem, tem

E tem cotia oi que tem, tem
E paca, será que tem?
oi tem preá, e quandá será que tem
oi diz que tem, tem

Pare meu irmão
de falar em tanta fera
com tanto bicho eu não sei o que fazer
ah, um bichinho pra comer
eu só quisera
com tanto assim eles vão é me comer

Mas tem os peixes que ainda não falei
de toda forma e qualidade tem.
oi tem traíra, tem cará e jundiá
e tem caborge, tem piaba e carapó
e pitú e caranguejo e aruá

Mas também tem cobra
que é um nunca se acabar
tem jacaré, cobra-rainha e tem muçu
tem caninana, tem jibóia e jericoá
tem jararaca, cascavel, surucucú
e papa-ovo e cobra verde assim não dá

Mas tem sabiá, tem canário e curió
tem passarinho tão bom de se olhar
papa-capim, cardeal e arumará
e tem xexéu, guriatã e tem brejá

E se quiser comer galinha
tem de todas pra fartar
tem pomba de tres côcos e tem pato mergulhão
aracuâ, jaçanã e tem carão
juriti e cardigueira e paturí

Mas e nessa abençoada região
será que tem o que faz falta na verdade

O que é, o que é, o que é?

Me diga meu irmão
se nessa grande mata
é possível, é possível ter mulher

Aí está uma coisa que não

Pois sendo assim eu prefiro o cativeiro

Meu irmão tá com toda razão!

Igualmente maravilhoso é o Samba dos negros e das negras, onde cantam de maneira bem-humorada o rapto e libertação das escravas, a fim de trazer um pouco de equilíbrio ao quilombo que, como bem observara o escravo na música anterior, era agrestemente masculino.

Lima conduz lindamente Se a Mão Livre do Negro (Estatuinha), que é emendada com a belíssima e pungente Ave Maria, que ele recita ao som da peça instrumental de Edu. Guarna e Lima dão o tom à divertida Construção de Palmares, em que se mostra de maneira lírica e divertida os costumes e o esforço dos quilombolas em erguer o Quilombo.

Uma pérola chapliniana é o discurso do recém-empossado governador pernambucano Ayres de Souza e Castro (aquele em que parafraseiam Castelo), dito por Guarna, que começa pausadamente dizendo que da "discussão nasce a sabedoria", mas prossegue em uma arenga autoritária e absolutista, despejando petardos como "meu governo será impopular e assim há de vencer passo a passo, dentro da lei que eu próprio hei de fazer". A voz começa a se alterar e também o tom do discurso, que agora diz "já não necessitamos de exército; necessitamos de uma força repressiva, policial", até o clímax, quando sua voz é substituída por uma gritaria histérica em alemão, na alusão perfeita aos patéticos discursos de Hitler.

O nível elevadíssimo das músicas não cai em nenhum momento do espetáculo. Quando pensamos que o melhor já passou com o primeiro ato, somos brindados com Upa Negrinho, interpretada de forma simples e pungente por Guarna, e mais tarde eternizada na voz de Elis, como Upa Neguinho. Aliás, impossível não reproduzir esta anedota (verdadeira) contada por Boal em sua autobiografia: “O Arena Não tinha ar condicionado, apenas um sistema de exaustão de ar com a boca escancarada. Nunca entendemos por que razões animalescas, quando o elenco atacava Upa Neguinho – só nesse e em nenhum outro número musical! – um bando de ratazanas aparecia, focinho e parte do corpo à mostra e ficava ouvindo a música, em respeitoso silêncio. Sempre soube que animais gostam de música; São Francisco cantava afinado, a bicharada vinha escutar. Mas ratos?!?! Estranho. Silenciado o violão, as ratazanas davam-nos as costas e só voltariam no próximo Upa Neguinho, dia seguinte... Nunca saberemos por que Upa Neguinho. Por que não Dandara ou a Canção do Trabalho? Tempo de Guerra? Quem saberá um dia que ventos sopram na alma de uma ratazana?” (Hamlet e o Filho do Padeiro, Record, 2000)

Altamente emblemática é Venha ser feliz - Sinherê, que vem a seguir. Essa música, no arranjo tipicamente sessentista de Carlos Castilho, é um retrato irretocável da magia libertadora e democrática que circundou esse espetáculo:

Venha,
venha ser feliz, ah venha
largue seu senhor e venha
venha que o amor só nasce aqui
venha que essa terra é nossa
e o trabalho é bom, sinherê!

Tenha paz no coração, sorria enfim
venha que essa terra é santa
e melhor não há, sinherê!

Aruanda pode ser a paz
mas não é pra já
paz na terra é um nunca se acabar
do amor que a gente quer, ah venha
vem meu bom irmão, vem ser feliz
Ganga Zumba é moço Ganga é menino rei, sinherê!

O final, representado pela morte de Ganga Zona e pelo cerco de Domingos Jorge Velho no fim do século XVII, vem com os tour de force de David José e Guarnieri, com O Açoite Bateu e a maravilhosa Tempo de Guerra (baseada no poema Aos Pósteros, de Brecht, e que se desgrudaria do Zumbi e se tornaria um espetáculo avulso escrito por Guarnieri e Boal para Bethania, Caetano, Gal e Gil encenarem no TBC, naquele mesmo ano), em que Guarna tutela o jovem Ganga Zumba. Talvez o discurso mais abertamente comunista e subversivo de toda a peça:

Eu vivo num tempo de guerra
Eu vivo num tempo sem sol
Só quem não sabe das coisa
É um homem capaz de rir
Ah, triste tempo presente
em que falar de amor, de flor,
é esquecer que tanta gente
está sofrendo tanta dor

Todo mundo diz
que eu devo comer e beber.
Mas como é que eu posso comer?
Mas como é que eu posso beber?
Se eu sei que eu tô tirando
o que eu vou comer e beber
de um um irmão que tá com fome,
de um irmão que tá com sede.
De um irmão.

Mas mesmo assim,
eu como e bebo.
Mas mesmo assim,
essa é a verdade!

Dizem crenças antigas
que viver não é lutar.
Que sábio é o que consegue
ao mal com o bem pagar.
Quem esquece a própria vontade
quem aceita não ter o seu desejo
é tido por todos um sábio
é isso que eu sempre vejo
é a isso que eu digo NÃO!

Eu sei que é preciso vencer
eu sei que é preciso lutar
eu sei que épreciso morrer
eu sei que é preciso matar!

É um tempo de guerra
é um tempo sem sol
É um tempo de guerra
é um tempo sem sol
sem sol, sem sol, tem dó
sem sol, sem sol, tem dó

Eu vivi na cidade no tempo da desordem
Eu vivi no meio da gente minha no tempo da revolta
Assim vivi os tempo que me deram pra viver

É um tempo de guerra
é um tempo sem sol
É um tempo de guerra
é um tempo sem sol

E você que me prossegue
e vai ver feliz a terra
lembre bem do nosso tempo
desse tempo que é de guerra

É um tempo de guerra
é um tempo sem sol
É um tempo de guerra
é um tempo sem sol

Veja bem que preparando
o caminho da amizade
não podemos ser amigos ao mal
ao mal vamos dar maldade!

É um tempo de guerra
é um tempo sem sol
É um tempo de guerra
é um tempo sem sol

Se você chegar a ver
essa terra da amizade
onde o homem ajuda o homem
pense em nós só com bondade!

É um tempo de guerra
é um tempo sem sol
É um tempo de guerra
é um tempo sem sol

Essa terra eu não vou ver!

O elenco completo, da esq. para dir.: Lima Duarte, Dina Sfat, Anthero de Oliveira,
David José, Marília Medalha, Chant Dessian, Vanya Sant'Anna e Guarnieri

David ainda canta A Morte de Zambi (entoada oportunamente no enterro de Guarnieri, em julho de 2006) e o espetáculo se encerra com Lima falando, ao som instrumental de Sinherê, tocado por Carlos Castilho. Emocionante, arrepiante, forte e catártico.

Atriz do espetáculo, Vanya Sant'Anna contou na exposição de 50 anos do Arena que uma verdadeira "febre passional" atingiu o elenco de Arena Conta Zumbi, de onde saíram dois ou três casamentos. Inclusive o dela com Guarnieri. Ela entrara no Arena no ano anterior, para interpretar a Mariana de Tartufo, e durante o Zumbi o namoro deles virou casamento. Casaram-se ao som de Pra você que chora - Canção de Gongoba, uma das mais lindas canções de Edu para o espetáculo, com letra inspiradíssima de Guarna:

Capa do programa original
 de Arena Conta Zumbi
Pra você que chora
E sofre há tanto tempo, amor
Vou contar baixinho
Um sonho que nasce de nós dois
Um sonho lindo de nós dois
Você vai ver
Ah, você vai ver
Surgir de nós
Um rei que vai
Ser bem mais que nós
Ser o que eu não pude ser

Enxugue os olhos
Não chore mais, meu triste amor
Pois que desse abraço
É um rei que vai nascer
É um rei, que outra vida vai trazer
Você vai ver
Ah, você vai ver
Surgir de nós
Um rei que vai
Ser bem mais que nós
Ser o que eu não pude ser

Com o saudoso Guarnieri, em fevereiro de 2006
Sobre a tal febre passional, Guarnieri emendou, em sua entrevista à Funarte, em 75: "Na época do Zumbi, por exemplo, foi uma coisa incrível, com todo mundo se amando terrivelmente, casando-se. O elenco irradiava felicidade. Eu achava que isso também passava muito para o sucesso do espetáculo, porque o pessoal estava legal. E com uma tremenda confiança no presente e no futuro. Aí é que eu acho que a patota legal, mesmo, foi essa". (Depoimentos V. SNT, 1981)

Dina Sfat em frente ao Arena

Mesma opinião de Dina Sfat, que em O Filho do Cão começou seu próprio namoro com Paulo José:

O processo de ensaios desse espetáculo foi definitivo para mim, porque todos os atores, autores e diretores sambamos em uníssono dentro do mesmo ritmo. Era uma coisa tão absolutamente harmoniosa que o Guarnieri e o Boal escreviam uma página pela manhã, traziam o que haviam criado às duas horas da tarde e aí o Edu Lobo já pegava o que tinha sido feito e começava a dedilhar o seu violão compondo a linha melódica e os atores começavam a criar. Estávamos todos sempre no mesmo pique. (...) O Lima Duarte e o Guarnieri, que tinham muito mais experiência, além de serem dois atores extraordinários, tinham naturalmente muito mais liberdade de ação e foi muito importante para mim observá-los e criar junto com eles. Eu aprendi fazendo. Havia um espaço para todos e o esforço dos atores era todo no mesmo sentido. (Bastidores, Vol. IV, Letras e Expressões, 2001)

Termino dizendo o seguinte: durante a introdução, Guarna mais uma vez se inspira em Brecht e diz que "ao contar Zumbi, prestamos uma homenagem a todos aqueles que através dos tempos dignificam o ser humano, empenhados na conquista de uma terra da amizade, onde o homem ajude o homem". Não consigo imaginar pessoas mais perfeitas para receber essa homenagem, do que o amado e saudoso Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal e Edu Lobo.

E mais não digo porque quero que vocês escutem Arena Conta Zumbi.

(6/3/2006, revisto em 26/8/2006 e em 16/8/2010)

4 comentários:

  1. Caramba... Ler esse texto foi de grande ajuda.
    Montarei o espetáculo com minha turma do III Semestre de Lic. em Teatro da UESB/Jequié.
    Muito obrigado mesmo! Parabéns! Texto lindo!

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    Respostas
    1. Que bom que te ajudou, Lincoln. Abração e boa sorte com essa obra-prima!

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  2. Oi Bernardo, estou procurando a qual acervo pertence essa foto da Dina Sfat em frente ao Arena. Vc sabe? Grata

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    Respostas
    1. Priscila, pertence ao setor iconográfico do Arquivo Público do Estado de São Paulo. http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/

      Dê um pulo lá.
      Abraços
      Bernardo

      Excluir

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