quarta-feira, 28 de abril de 2010

Proseando com Antônio Petrin


Meus caros,
em julho de 2007, seguindo o projeto a que então me dedicava, de entrevistar os participantes da montagem original da peça Ponto de Partida, de Guarnieri, tive o prazer de conversar  com Antônio Petrin. Ao longo dos anos venho encontrando Petrin, tanto no palco como fora dele. Além de grande ator é grande espectador e não raro está pelos teatros da vida, observando, dando conselhos e aprendendo. Seria um clichezaço dizer que Petrin é a antítese dos personagens truculentos que volta e meia interpreta na TV, como foi o caso do dantesco Tenório, de "Pantanal".

Mas na sala de sua casa, proseando à tarde, durante horas, numa conversa que foi de George Dandin, Heleny Guariba e a estréia profissional de Sônia Braga, até Maurício do Valle, a TV Tupi do Rio e contracenar com Grande Otelo, é forçoso dizê-lo. Petrin é um cavalheiro em tudo e por tudo.
Trabalhou com todos os mestres do teatro. Boal, Heleny, Flávio Rangel, Fernando Peixoto, Gianni Ratto, Paulo Autran, Bibi Ferreira, Grande Otelo, Henriette Morineau, e só melhora com o tempo. Sua presença valoriza e traz o selo da qualidade e da competência a qualquer espetáculo.

Fala com tranqüilidade, escolhe as palavras, sintetiza com inteligência e é constantemente brilhante. Se eu já era fã de Petrin por vê-lo como Raguenau, no Cyrano de Fagundes, interpretando o bonachão pâtissier-poète, ou trabalhando com Linneu Dias, ou em uma bobagem qualquer com Viviane Pasmanter, agora sou muito mais.

Petrin é um grande mestre e um exemplo para todo o meio artístico. E nada menos do que isso.
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Infância, Juventude e Início no Teatro

Sou de Laranjal Paulista. Nasci em 1938. Com 2 anos de idade me mudei para Santo André e lá fiquei até poucos anos atrás, quando me mudei para capital. Sou de uma família muito pobre, meu pai era operário da indústria de Santo André, minha mãe também, eu vivi nesse bairro, Parque das Nações, numa rua onde não tinha asfalto, não tinha luz, era como o poema do Vinícius, era uma casa que não tinha nada. Não tinha teto, não tinha parede (rs), então eu tinha as minhas preocupações, eram sociais mas não era ideologia, era por osmose, mesmo (rs). Então nesse bairro tinha a igreja, fazia o teatrinho, então foi lá que eu dei os primeiros passos, no teatrinho da igreja, né, aquela coisa toda, depois fazia o teatrinho na escola, na igreja, contar vida de santos, tal e tal, até minha ida para o centro, trabalhar no "Grupo de Teatro da Cidade", onde trabalhavam a Sônia Guedes, o Aníbal, marido dela, e aí vou, participo, e de lá vou para a Escola de Arte Dramática. Eu me formei na turma do Umberto Magnani e da Analy Alvarez em 1967. Dos meus professores tive o Sábato Magaldi, Paulo Mendonça, teve também o Anatole Rosenfeld, o Clóvis Garcia, essa era a parte teórica.

Guarnieri,
 Chico de Assis e Boal

O Arena era o modelo que nós queríamos seguir. O grupo que estava em evidência e que era modelo pra gente seguir e querer era o Teatro de Arena, e nós, estudantes na época, freqüentávamos o Teatro de Arena e o café ali em frente, o Redondo, porque eles às vezes estavam ensaiando, estavam chegando para o espetáculo, os atores, e a gente queria pelo menos tomar café ao lado deles, de Guarnieri, Chico de Assis, Boal... na época a Heleny Guariba – que dirigiu nosso primeiro espetáculo profissional e foi logo em seguida dirigir um curso de preparação de atores para o núcleo 2 do Arena – era muito amiga do Boal e a gente mantinha até uma relação de amizade. Mas você sabe como são os estudantes, ficam naquela base de admiração daquelas pessoas todas.
 
E ali tinha todos os espetáculos com o Sistema Curinga, o Zumbi, o Tiradentes, o Arturo Ui, teve antes a Mandrágora... no Arena acho que só não vi o Black-Tie. Eu assisti a estréia do Fagundes, o Xandu Quaresma, do Chico de Assis [peça que no Arena chamou-se Farsa com Cangaceiro Truco e Padre]. Então veio a segunda fase, com o núcleo 2, as feiras paulistas, o Magnani, o Boldrin, e por aí vai.

De um certo modo preferíamos o Arena ao Oficina pela opção política. Na verdade tínhamos admiração pelos dois, mas mais pelo Arena por causa da questão política, porque o Boal era a grande cabeça, era a pessoa que ditava uma certa norma, regra de comportamento político dentro da classe. Ele era o grande teórico, eles todos, então o Arena era o gerador dessas idéias. E o Oficina ficava num segundo plano, porque já começa a ter, devido à época, 68, 69, os anos 70, aquele desbunde, a revolução feminina, drogas, e aí o Oficina entra nesse caminho, que é frontalmente contra os do partidão, do qual faziam parte o Boal e o Guarnieri. O partidão não admitia esse desbunde, era radicalmente contra. Então você pega Guarnieri, Vianinha, o pessoal do Rio, Paulo Pontes, Ferreira Gullar, do Rio de Janeiro, do Teatro Opinião, Plínio, eram absolutamente contra, o teatro com quem eles se confrontavam lá no Rio, quando eles faziam A China é Azul, Teatro Ipanema, que era todo um teatro mais voltado para o corpo, o desbunde, então o Oficina entra nisso, e esse tipo de atitude acabou desmantelando o Oficina. Os grandes pensadores do Oficina acabam entrando em conflito. O Fernando Peixoto, por exemplo, que era do partido, não admite esse rumo que se toma e começa a cair fora. Ele e muitos outros. O Oficina acaba deixando de ser um grupo e vira "o Zé Celso". Três Irmãs, Gracias Señor já é o desbunde total. O Zé Celso vai enlouquecendo e aí as pessoas vão caindo fora.

Você imagina que o Othon vem da Bahia pra trabalhar no Oficina; o Cláudio Corrêa e Castro vem de Curitiba pra trabalhar no Oficina; o Fernando Peixoto e a Ítala vieram do sul, e de repente a coisa não se sustenta mais, não segura, porque as pessoas precisam viver, então vão pra televisão, e vão pra cá e vão pra lá.

Eu não era filiado ao partidão. Minha militância não tinha nenhuma orientação partidária, era viver na carne os problemas. Vi aquela movimentação toda do CPC em Santo André, o Guarnieri, o Vianinha, o Chico de Assis, e tal, mas nunca fui do CPC. O Chico de Assis costuma sempre dizer, em qualquer reunião quando eu estou presente ele já fala "o meu amigo Petrin, do CPC de Santo André", eu nunca desmenti, mas ele me considera também, uma espécie de membro honorário, e eu tenho uma profunda admiração pelo Chico de Assis como dramaturgo, como um professor de dramaturgia maravilhoso e todas aquelas pessoas que permaneceram no Arena. Há alguns anos inclusive o Boal recebeu o Título de Cidadão Honorário de Santo André e me pediram um depoimento e eu escrevi um depoimento em homenagem ao Boal.

O Grupo de Teatro da Cidade

Formamos o "Grupo de Teatro da Cidade". O grupo era de lá, a sede era lá. Todos estudantes da EAD. Minha primeira peça profissional foi o George Dandin, do Molière. Eu, a Sônia Guedes, o Aníbal, a Sílvia Borges, que ainda hoje está por aí, outros colegas que não seguiram carreira, além dos camponeses da peça, que eram gente chamada ali da cidade, e entrou no grupo a Sônia Braga, que era na verdade uma menininha de 17 anos, era modelo, tal, na época essas coisas eram muito difíceis, era complicado, ela queria essa coisa toda, e nossa diretora era muito viva e chamou ela para a peça. E era deslumbrante a beleza dela naquele figurino do Flávio Império.

Sônia Braga

Era uma espetáculo muito interessante; era uma diretora, Heleny Guariba, que desapareceu na ditadura, então ela veio de uma formação... ela fez estágio na França com o Planchon e veio com esse propósito: de reconstruir os clássicos com uma linguagem moderna. A maneira de se encenar, então ela fez esse espetáculo com o nosso grupo, cenografia e figurinos do Flávio Império. Trabalhar com a Heleny era complicado, porque ela era uma pessoa muito exigente, e ela trabalhava muito o lado intelectual do espetáculo, e ao mesmo tempo o ator. O que ela queria era fazer um espetáculo que tivesse uma abordagem social, então você imagina pegar uma peça do Molière, que nem é uma das peças mais importantes dele, era uma peça mais secundária, e transformar aquilo num painel social; porque ela dividia, socialmente falando, aqueles personagens em 3 categorias. Eram os nobres decadentes, personificados pelos pais da Angélica, que se casa com o Dandin; o Dandin era a personificação da classe média em ascensão, porque no espetáculo ele era transformado num grande comerciante de uma fazenda, e aí aparecia juntamente com os empregados da casa – e mais uma figuração que não tem na peça, mas que foi acrescentada ao espetáculo, dos camponeses – então essa divisão, no cenário do Flávio Império, isto ficava claro, porque numa parte bem inferior ficavam esses camponeses, onde os empregados da casa transitavam facilmente; no segundo plano ficava o Dandin que era o burguês tentando ascender, e na parte superior apareciam esses nobres decadentes, que tentavam ate surrupiar coisas do Dandin, pegavam frutas e jogavam nas bolsas, enfim, aí você tinha esse painel claro de cada classe, que na verdade o que a Heleny queria fazer era um link desse painel social com o Brasil do momento, em que havia uma aristocracia paulistana cafeeira decadente, uma burguesia industrializada, do movimento industrial, de uma classe média ascendendo ao poder, porque as grandes empresas, as grandes indústrias, então a classe média ganha status considerável na sociedade; e os trabalhadores, os peões, o povo, os camponeses, mesmo, brasileiros, que continuavam nessa situação.

Heleny Guariba

Ela conseguiu transmitir isso bem no espetáculo, porque havia debates com os estudantes, depois da apresentação, e isso ficava claro. Tanto é que a última crítica do Décio para o Estadão foi elogiando o George Dandin – aliás, foi a última crítica dele, que se aposentou depois – enquanto que tinha também uma crítica desse espetáculo feita pelo Paulo Mendonça, ele não desdenha do espetáculo, a crítica não fala mal do espetáculo, mas ele faz uma gozação com a Heleny, já no título da crítica, que é "Até Molière colabora", dizendo mais ou menos que "buscar nesses clássicos essa referência atual e social, ninguém tinha pensado e nem imaginado usar como arma uma obra do Molière", e tal.

Fizemos em Santo André, num teatrinho de Santo André, e aí nós fomos para o Teatro Anchieta, que estava sendo inaugurado, era o comecinho do Teatro Anchieta [atualmente o Sesc Vila Nova].

Um quase-trabalho com Boal

Eu trabalhei um pouco com o Boal. Um pouco, mas trabalhei. Eu só não continuei o trabalho com o Boal porque ele foi preso. Era o seguinte: o Teatro de Arena estava numa draga desgraçada. Num miserê danado. E eu tinha acabado de fazer George Dandin, e o Boal me convida pra fazer uma peça argentina do Carlos Gorostiza, lá no Arena, que se chamava Os Próximos, que aqui foi dado o nome de "O que é que nós vamos fazer esta noite?". Essa peça ia ser dirigida pelo Boal. O elenco formado pelo Boal era eu, Boldrin, Lilian Lemmertz, Abraão Farc, uma atriz do Rio, uma senhora, esqueci, e mais uma garotinha que era uma estreante de teatro. Bom, e quem ia dirigir essa peça era o Boal. E aí acontece todo aquele problema político, e vem do Rio de Janeiro o Luís... , um grande teórico, que toda a obra dele, que ele escreveu, era sobre a contra-cultura, enfim, ele veio pra socorrer o Boal, porque o Boal já estava preso, e esse Arena Conta Bolívar foi um pouco antes, por isso estava aquela desgraceira toda, por isso fomos fazer esse espetáculo do Gorostiza. Lembro-me de ter feito exercícios com o Boal. Aquelas improvisações, nós começamos a fazer e de repente o Boal foi preso. Na cela vizinha à da Heleny, aliás.

Ponto de Partida

O Ponto de Partida eu acabei substituindo o Sérgio Ricardo, porque o que aconteceu na verdade é que o Sérgio, me parece que tinha assumido esse compromisso porque tinha feito a música e estava envolvido na produção e nos ensaios desse espetáculo, com o grupo Maria Déia. Eles trabalharam toda a parte musical do espetáculo. Agora, nunca me constou que o Sérgio Ricardo fosse ator. Porque essa coisa de ser ator é uma coisa meio complicada, principalmente pra teatro, né, porque você tem que estar disponível para o espetáculo... na época a gente fazia o espetáculo de – não tenho idéia, não lembro – mas eu tenho a impressão que era de terça, ou quarta, até domingo, sendo que sábado duas sessões, domingo, duas sessões, e depois excursionando, e enfim, depois de 1 mês do espetáculo em cartaz, fui convidado para substituí-lo. O Othon me convidou, claro, com a autorização do Fernando Peixoto, aí eu comecei a ensaiar o espetáculo. Aquilo que o Sérgio tinha de facilidade de cantar aquelas músicas, eu tinha uma certa dificuldade. Já tinha cantado, e tal, mas nada assim, e eu pra te dizer a verdade eu nem sei dizer se eu cantava bem ou se cantava mal. O que eu sei é que nunca recebi uma crítica desfavorável nessa área. Tinha o meu momento do encontro com a Maíra, e a canção do Ferreiro. Uma música difícil, mas o grupo Maria Déia era um pessoal muito legal, um pessoal muito bacana, então correu tudo muito bem.

A menina, Sônia Loureiro, é que cantava melhor. A Sônia cantava bem, e ela já vinha do espetáculo desde o começo, então me ajudou muito. Depois, quando saiu a Sônia – ela teve um problema de acidente com uma motocicleta, ela se queimou, teve que sair do espetáculo, e aí entrou a irmã da Sônia Braga, Aninha Braga – pensei que a dinâmica musical que eu tinha com a Sônia seria perdida, mas o espetáculo era tão poderoso, tão forte, que essa parte do canto não chegava a comprometer, mesmo se a gente fazia mal.

Minha canção, o "Menino Pássaro", tem uma parte, algumas frases que são cantadas, e algumas outras tantas, que são faladas em cima da música, então acho que por aí é que a gente não teve problema. Provavelmente, quando eu entrei, aquilo tanto que o Sérgio cantava, eu acabei declamando em cima da música, talvez até mais dramático. Mas essa peça ficou aqui no Tahib um tempo grande, um sucesso absoluto, lotado todas as noites, num teatro que quase nunca ninguém... nem sabe, acho que hoje está às moscas, nem funciona mais, mas lotava toda noite. Aí fomos pro Rio de Janeiro, e no Rio é que foi, assim, o auge do sucesso, porque ela foi feita ali no Teatro João Caetano, ali na Praça Tiradentes, então era uma multidão em frente àquele teatro, querendo entrar no espetáculo. E o teatro tinha mil lugares, e esses números nunca mais eu esqueci, porque nós fizemos lá 12 apresentações, e nós tivemos lá mais de 12 mil espectadores. No primeiro dia já vendeu tudo. Foi uma coisa... no dia da estréia, a Praça Tiradentes ficou uma mar de gente.

Foi feita uma gravação do áudio do espetáculo. Isso eu me lembro que foi feito no Teatro Municipal de Santo André, porque era um teatro com condições acústicas boas, excelentes, e foi feito com o intuito de se comercializar, tanto é que nós, atores, acabamos assinando um documento para que se pudesse comercializar aquilo. Agora, que fim levou aquilo, não tenho a mínima idéia. Nunca se lançou. Pelo menos eu não sei.
 
Quem poderia provavelmente te dar alguma indicação melhor é o Othon Bastos, que era o produtor. Ele e a Martha eram os produtores. Agora, eu me lembro muito que eles colocaram vários microfones no palco, naquela noite, e uma equipe na coxia, com um equipamento anormal, para uma gravação, porque era uma coisa profissional. Nós assinamos um documento, dizendo qualquer coisa como "na venda você terá um percentual tal, autorizo", e tal. Se aquilo foi transformado em Long Play, não tenho idéia, mas foi feito.

Repressão e Censura

Eu me lembro que teve um fato quando estava a peça aqui em São Paulo, no Teatro Municipal. Porque naquela época se fazia uma coisa chamada "Mês Teatral". Então o que era o mês teatral? Era a escolha de algumas peças de sucesso do ano que ia terminar, pra se apresentar a preço popular no Teatro Municipal. Bom, então o Ponto de Partida participou do mês teatral, então a gente fez uma semana no Municipal. A semana toda, e também com lotação esgotada. E teve um dia em que ocorreu uma manifestação de passeatas, àquela época estávamos sob a ditadura, teve uma manifestação na cidade, várias passeatas que aconteceram na cidade, eu digo várias porque de cada ponto da cidade saía um grupo protestando, porque assim a polícia não ficava concentrada só num lugar, então tinha que se dispersar, era uma tática que se usava. E eu me lembro que eu estava numa dessas passeatas, que começou no Largo São Francisco, e tivemos que correr da polícia, foi uma coisa terrível, porque a gente corria, eles jogavam bombas de efeito moral, e eu acabei até pulando um muro, uma coisa assim, quase que arrebento o pé, ali perto da igreja da consolação, tinha um terreno ali do lado da igreja, e a gente acabou se escondendo ali.

Bom, aí eu fui para o Teatro Municipal, e eu me lembro que a Praça Ramos de Azevedo estava um caos de sujeira, porque toda a cavalaria que ficava correndo atrás das passeatas, eles estacionaram ali com os cavalos, e os cavalos cagaram em volta do Teatro Municipal inteiro! Uma coisa tenebrosa. Aí quando eu cheguei no teatro, conversando com o Othon e com o Guarnieri, já disse "hoje não vai ter ninguém, porque quem é que vai sair de casa hoje pra vir no teatro com a cidade inteira conturbada, essa coisa toda de polícia e essa sujeira toda em volta do Municipal", e qual não foi nossa surpresa que o teatro esteve lotado, lotado, e nesse dia, os estudantes, antes de abrir o pano, leram um manifesto contra o governo. Eles queriam que se lesse no palco, por algum de nós, principalmente o Guarnieri ou o Othon, mas aí os dois foram ameaçados de que se eles fizessem isso a direção do teatro não ia permitir a realização da peça e suspenderia a semana, então eles falaram "olha, o melhor é vocês mesmo lerem, porque a gente tem essa ameaça", e tal, então antes de abrir o pano, eles mesmo vieram na frente do palco e leram o manifesto que eles tinham que ler, e logo em seguida a gente fez o espetáculo. Então teve essa coisa pitoresca que aconteceu quando a gente estava no Municipal. Era coisa de estudante, contra o governo, contra a ditadura, não tenho lembrança agora mas cada um tinha um propósito, provavelmente tinha sido por prisão de algum líder, invasão de faculdade, não lembro.

A peça fez São Paulo, Santo André e Rio. Não deu pra continuar porque... na verdade... essas coisas... como você não é o produtor, nem sempre você fica sabendo do por que disso ou daquilo, eu era contratado, agora, eu tenho uma certa impressão de que havia uma dificuldade do Guarnieri viajar, ele tinha compromissos com a televisão, deve ter sido isso.

O Guarnieri era problemático às vezes, porque bebia muito. Então tinha essas dificuldades. Ele era maravilhoso no trato pessoal, mas quando tinha bebida no meio, ele ficava ausente. Por exemplo, na temporada carioca, uma noite nós fomos todos pro "Plataforma", depois do espetáculo. E o Guarnieri vai e pede uma garrafa de um dos melhores whiskys escoceses. Eu já fiquei apavorado porque o negócio é caríssimo, mas deixei pra lá. E o Guarnieri foi bebendo, bebendo, bebendo, e ao mesmo tempo o pessoal foi indo embora, então de repente eu me vejo no meio da madrugada no Plataforma, em frente a uma garrafa de whisky vazia e do meu lado o Guarnieri dormindo e roncando a sono solto. E pra melhorar, o garçom vem e joga a conta em cima de mim (rs).

Eu fiquei numa situação terrível porque naquela altura acho que nem uma bomba acordava o Guarnieri, e eu era simples contratado da companhia do Othon e da Martha, não tinha dinheiro pra pagar nem metade daquele valor. Aí eu fui com o maior constrangimento e expliquei a coisa pro Alberico, o português lá que é dono, o cara foi de uma simpatia ímpar comigo, "fica tranqüilo, eu entendo, não se preocupe", e pela manhã eu fui e expliquei o negócio pro Othon, afinal tinha dinheiro no meio, alguém tinha que explicar, e ele fez aquela cara de que não era a primeira vez que acontecia uma coisa assim (rs), mas ficou tudo numa boa. Era difícil alguém conseguir ficar puto com o Guarnieri (rs).

(Petrin inicialmente me pediu para não incluir essa história em seu depoimento, com medo de que as pessoas a interpretassem de forma errada, como se ele estivesse falando mal do amigo querido, coisa que ele não faria jamais. No fim, pude convencê-lo de que a história é saborosíssima e longe de macular a imagem de Guarnieri, apenas elabora sobre uma faceta dele que praticamente todo mundo já conhece, e que só faz aumentar o carinho que todos sentimos por ele.)


Quando eu não estava em cena, eu estava nos bastidores assistindo o Guarnieri. Veja bem: um grande ator, que você vê a magia dele, quando você está junto, contracenando, não dá pra você apreciar o trabalho do outro, porque você tem que desenvolver o teu, então são dois personagens se batendo ali. Mas o genial é quando você podia sair de cena e ficar olhando o colega. Quando isso acontece é coisa rara no teatro! E o Guarnieri era desses. O Guarnieri era de uma qualidade de ator, que você falava assim "mas"... porque ele era... como vou dizer... ele tinha uma naturalidade, que às vezes, se você fosse observar claramente nos cânones de uma interpretação, aquilo lá às vezes não saía da nota 5. (imita) "Ti – ti – ti – nha um – uma forma até meio...", pra dizer as coisas. Mas isso tudo era falado, sabe, e saía com uma verdade inacreditável. Então o Guarnieri era desses atores que entravam e executavam como se aquilo fosse a coisa mais fácil do mundo. Nada era dificuldade. Você não via uma tensão em nenhuma parte do corpo. Que é o grande segredo para o grande intérprete é quando o corpo está solto como nós estamos aqui. Por isso que a voz sai facilmente, e tal.

Se a gente pudesse... aliás, o Stanislavsky tem esse exemplo, né? Ele coloca na cena um casal de velhinhos conversando, e do outro lado uma cena quase que circense, fazendo milhões de malabarismos, e os dois velhinhos ali conversando. A platéia esquece o malabarismo, fica olhando o casal de velhinhos, tal é a naturalidade com que eles estão representando, porque aquilo não é uma coisa ensaiada. Ensaiaram aquele salto, ensaiaram aqueles pulos, aquela coisa toda, não, o que é legal é aquilo ali. E o Guarnieri era esse tipo. Você podia fazer acontecer chuva de prata aqui, e você colocava ele dizendo qualquer texto, você ficava nele, esquecia a chuva de prata. E eu fazia a mesma coisa com o Grande Otelo. Eu fazia uma peça, O Homem de la Mancha, eu, Paulo Autran, Grande Otelo, Bibi Ferreira. Eu saía de cena e ficava vendo Grande Otelo representar. De tanto que era essa coisa, essa coisa natural, mas não aquele natural pensado, "olha como eu sou natural", não, aquela coisa espontânea, era aquilo.

O Ponto de Partida foi o meu primeiro trabalho com o Guarnieri. O trabalho, mesmo, foi lá, mas a gente mantinha um relacionamento, ele veio conhecer a gente em Santo André, tanto é que quando eu fui trabalhar com ele no Ponto de Partida ele já conhecia minha trajetória de lá, que eu já tinha tido problemas com polícia, essa coisa toda do DOPS, por causa também da Heleny, então tivemos um entrosamento maravilhoso.

Filme O Jogo da Vida

Bom, então, O Jogo da Vida era do Capovilla. Maurice Capovilla. Era com o Guarnieri, o Lima e o Mauricio do Valle. Esse filme teve origem num livro do falecido João Antônio chamado "Malagueta, Perus e Bacanaço", e aí o Capovilla fez uma adaptação cinematográfica desse livro.

Maurício do Valle, Guarnieri e Lima no filme Jogo da Vida

Nesse filme, claro, eu já conhecia todos eles. Com o Maurício eu ainda fui trabalhar com ele depois na televisão, na Tupi do Rio. O Maurício era uma pessoa... porque a gente tem sempre uma imagem, e imagino que esse seja o teu caso também... eu aprendi uma vez uma frase que é o seguinte, você nunca queira conhecer na intimidade o seu ídolo, o seu escritor, porque você corre o risco de se decepcionar. Ou admirar ainda mais, mas você sempre corre algum risco. Assim como você e como qualquer um, quando eu via Maurício do Valle fazendo Deus e o Diabo, quando você vê o Othon Bastos fazendo o Corisco, esses personagens, você tem esse encantamento por essas obras, e a vida leva você a conhecer na intimidade essas pessoas. Foi assim quando eu conheci o Othon Bastos, quer dizer, ali, (imita perfeitamente o personagem de Othon no filme de Glauber) "o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão", essa é uma imagem poderosa, e aí você olha e fala "porra, mas eu pensei que você era o jagunço que falava desse jeito, e você é esta merda (rs), quase um viado" (rs), eu brinco, porque o Othon é meu amigo, e a gente se diverte muito. E o Maurício do Valle – só por causa disso que eu estou falando – o Maurício do Valle era uma pessoa absolutamente alienada. Era absolutamente alienado. E só falava de mulheres!
 
Ele tinha um tique assim (imita hilariamente o tique corporal de Maurício), entende, e tinha aquela figura. E tinha uma puta dificuldade, na televisão, de decorar. Então toda vez que tinha cena com o Maurício do Valle, era complicado, porque ele nunca sabia decór a cena, porque ele era um cara da noite, um beberrão, tanto é que morreu por causa dessas merdas todas, né, então era uma pessoa maravilhosa, mas não tem nada a ver com o Antônio das Mortes, que é aquela puta figura, com aquela capa...

No filme do Capovilla tinha um certo improviso na cena da sinuca, aquela brincadeira do Guarnieri com o Maurício, mas também não posso te afirmar o que era improviso e o que era de roteiro, mas é que se tinha uma certa liberdade por ser uma coisa de sinuca, então se usam termos, mas aquelas saídas para São Paulo, aquela coisa toda, eu acho que faz parte do livro, mesmo. O Capovilla não era de viajar, esses diretores eram todos metódicos, não tinham essa coisa que tem hoje, não, os caras tinham roteiro. É a mesma coisa que se pegar o João Batista de Andrade, agora, é um diretor que tem um roteiro, vai em cima desse roteiro... é da antiga.

Eles não usam Black-Tie na Fundart

Eu fiz uma experiência lá na Fundação das Artes de São Caetano. Nós estávamos num momento de ascensão do Lula como metalúrgico, presidente do sindicato, e os sindicalistas estavam participando muito. Então eu recebi uma proposta da Fundart, de fazer um espetáculo com as pessoas da comunidade. Na Fundart, porque a escola precisava se abrir pra comunidade, e tal, aquela história política. A Fundart então divulgou que eu ia fazer um espetáculo e que preferencialmente os candidatos a trabalhar fossem operários. Não fossem estudantes, etc., aí juntou um monte de gente dentro, na Fundação e eu dei uma selecionada e acabei selecionando umas dez, doze pessoas, e fiz o quê? Eu falei "eu vou fazer o Eles não usam Black-Tie".
 
Eles eram operários, conheciam toda aquela coisa da greve, aquela discussão toda, então eu selecionei, peguei cada um deles e comecei um processo, um trabalho longo com eles de prepará-los para eles poderem fazer esse espetáculo. E assim acabou acontecendo.

Nesse processo aconteceu uma coisa muito interessante: quando eu comecei a trabalhar com eles, nos primeiros momentos, que eu mostrei o texto, logo na primeira semana eu fiz um trabalho que resultou numa coisa muito legal; eu fiz com que eles servissem de juiz para a questão do Tião. O Tião, por ele furar a greve, ele deve ser absolvido ou ele deve ser condenado? Então vamos discutir esse assunto, e discutimos o fato por um bom tempo, um belo debate, e eles absolveram o Tião. Bom, eu não quis interferir nessa opinião deles, deixei. Aí comecei os ensaios. Ensaiar a peça, ensaiar a peça, ensaiar a peça... e claro, nesse processo todo, você discute tudo, eles vão discutindo, "por que é que o personagem age dessa maneira", "por que é que age daquela", por que o Otávio faz isso", "por que o Tião faz aquilo", "por que a Maria faz isso", "por que a Romana tem essa atitude", essa coisa toda, e vamos estrear a peça. Aconteceu um fato histórico: no momento da estréia da peça, o Lula consegue fazer a primeira greve. Se estabelece a primeira greve contra tudo aquilo que a polícia e a ditadura estava impedindo, então no mesmo tempo que começa a greve, esses rapazes que estão trabalhando na peça comigo, lá, entram em greve também nas suas fábricas, General Motors, tal e tal. Bom, na semana da estréia da peça, eu coloco de novo em julgamento o Tião. E aí ele é condenado. Então o processo foi muito legal, porque eles tomaram a consciência do por que a gente não pode trair uma classe, então isto foi muito evidente.

O Guarnieri não esteve presente, já não lembro por que, mas o Flavinho, sim. E aí, depois, por alguns anos, toda vez que eu cruzava com alguns desses rapazes que participaram do espetáculo, eles me confessavam que a coisa mais importante que tinha acontecido na vida deles foi aquele espetáculo, então esse trabalho serviu pra ficar por um longo tempo na cabeça deles, e provavelmente até hoje eles ainda trazem na memória.

Filme Eles não usam Black-Tie

Acima: Petrin com Francisco Milani, no centro
com Milton Gonçalves, Guarnieri e Fernandona,
e abaixo com Guarnieri

O Leon caçou em São Paulo todo mundo que, de uma certa forma, tinha alguma coisa ligada com o Black Tie. Tanto é que aquele grupo que participa do filme, todo mundo fez alguma coisa na montagem original. O Guarnieri, a Lélia, Milton Gonçalves, Migliaccio, todo mundo. Só não está o Kusnet porque já tinha morrido, na época. Eu não tenho muita recordação porque na verdade eu tinha apenas um papel de figurante, era um dos operários. A imagem que eu tenho do Hirzman é de uma pessoa muito intensa, dirigia muito bem, tudo, era uma pessoa meio... eu tinha uma admiração muito grande por ele, pelo prestígio dele, o diretor que vem do Rio de Janeiro para fazer aquelas coisas em São Paulo.

Eu me lembro que a gente foi filmar numa vila desgraçada, lá na Brasilândia, era um problema porque tinha um momento em que eu e o Milton Gonçalves íamos fazer uma visita ao Otávio na casa, parece que tinha uma cena assim, tal, e depois as cenas nossas eram todas mais na fábrica, eu me lembro muito bem do Milani, que aí virei muito amigo do Milani, nesse momento, depois nos tornamos muito amigos, mas enfim, eu não tenho muita lembrança do Leon Hirzman como diretor.

Leitura de A Semente (década de 90)

Outro momento foi nessas leituras que houve aqui em São Paulo, lá na Nestor Pestana, a Gastão Tojeiro, onde era o restaurante Eduardo, perto ali do Cultura Artística. Aí me pediram pra dirigir a peça do Guarnieri, A Semente. Bom, era um elenco enorme, um elenco enorme, eu cheguei a ficar com medo daquela leitura, porque é uma peça... uma coisa maravilhosa.

Aí, Guarnieri presente na leitura. Eu reuni um puta dum elenco, um elenco grande, e falei "olha, essa peça só tem uma maneira de fazer, é botar todas as emoções, todas as vontades", e tal, porque numa leitura é aquela coisa... e aí nós fizemos essa leitura. Foi uma das coisas mais inacreditáveis que eu vi na minha carreira. Vi o Guarnieri, sentado, em frente, aos prantos! Quando terminou, eu nunca me esqueço porque a minha neta, que era uma menininha, estava assistindo a leitura. Ela... foi uma emoção geral. E foi um grande momento. Não esqueço do Guarnieri me abraçando, falando assim "você hoje me deu uma das maiores emoções da minha vida".

Especial A Festa do Nonno - 2004

A Globo fez um especial em homenagem aos 450 anos de São Paulo escrito pelo Sílvio de Abreu, que era assim: tinha um restaurante, o dono do restaurante, eu era o dono, e a família era composta de todos os membros de várias raças que compõe essa grande Paulicéia, e o "Nonno" dessa cantina era o Guarnieri.

Guarnieri, em cena de O Nonno

Então eu de repente vejo o Guarnieri entrando em cadeira-de-rodas, cara. Aquilo me doeu... aí e eu "pô, Guarnica!", e tal, a gente faz aquela festa, "e aí, Petrin!", "e aí, Guarnica!", bom, e fomos gravar, e eu pensei assim comigo "o Guarnieri não vai conseguir dizer o texto", porque ele estava muito debilitado, e o desgraçado fez o texto, fez maravilhosamente bem! Emocionou todo mundo, foi uma beleza. Era um grande artista.

Leitura do Ponto de Partida - provavelmente em 2002

Petrin e a esposa Rosália

E a segunda foi quando a gente leu Ponto de Partida no Banco do Brasil, com ele presente e o Flavinho lendo o papel do Dodô, do pai dele. Eu fazia o Félix e quem fez o Ferreiro foi o Walter Breda. A Estér Góes fazia a Aida. Porra, foi uma puta duma ovação. A peça já não tem como você... aliás, por isso que o Guarnieri é esse autor que ele é. Porque ele não tem nenhuma peça dele, pelo menos que eu me lembre, que não venha cheia de emoção. Que ela não traga grandes temáticas pra se discutir. Não é esse teatro de hoje, que nós fazemos, todos nós estamos fazendo, que ficamos discutindo as relações.

Eu já estou com o saco cheio de ver peças, de ouvir leituras, aliás eu acabei de ver uma aqui, esta semana, de pessoas, de dramaturgos, que vêm e escrevem sobre relações. Da mulher com o homem, com o filho, não sei o quê, e tal, aquela coisa assim bem pequeno-burguesa, discutindo o óbvio, o nada, e acha que a platéia gosta de ir no teatro para ficar vendo essas coisas. O teatro do Guarnieri tinha reivindicação. "Nós estamos fazendo essa peça porque nós queremos alcançar isto". Além de ter uma qualidade artística, né? Então ter grandes personagens, quer dizer, quando você pega esse personagem do Ponto de Partida, o Dô... Dôdo, Doido, Dodô, aquela brincadeira até que inclusive ele faz, aquilo é um personagem! Você pega esse personagem e você põe ele aonde você quer, você põe ele até na novela das 8, ele funciona, põe ele na novela das 6, aquele personagem, ele age maravilhosamente em qualquer situação que você criar. Isto é saber fazer personagem. Porque o grande problema dos dramaturgos de hoje não é escrever uma história. O grande problema da dramaturgia de hoje é criar grandes personagens, porque se você criar um grande personagem, você conta a história que você quiser, desde que você tenha o grande personagem. A gente descobre isso ao longo da vida, porque na verdade todos nós estamos preocupados, e os dramaturgos também, com contar uma história, e se esquecem de contar uma história através de grandes personagens, então quando os personagens são pequenos, você não tem como contar uma grande história. Você só consegue contar uma grande história com grandes personagens. Se você tem este personagem, tem uma carne, tem uma alma, tem coração, tem algo que você fala "ali é gente", então você coloca ele em qualquer situação dramática que ele vai dar conta do recado. Quando não, é toda essa coisa rasa que está no nosso teatro hoje.
 
Há uma grande discussão de que quando a gente vai para o teatro político, então costuma se falar "outra vez falando de política?", mas nós, brasileiros, nós ainda não saímos do estágio da reivindicação social. Você vê um país que hoje, cada dia a bolsa sobe mais, mais, mais, mas a pobreza continua igual. As dificuldades sociais continuam as mesmas, e o nosso teatro não está reivindicando isso. Mas por quê? Porque fazem falta esses autores.
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OBRIGADO, querido Mestre Petrin!

Trecho da entrevista em audio:

2 comentários:


  1. òtima leitura, excelente post. gostaria de citar o trecho: "O que é que nós vamos fazer esta noite?". Essa peça ia ser dirigida pelo Boal. O elenco formado pelo Boal era eu, Boldrin, Lilian Lemmertz, Abraão Farc, uma atriz do Rio, uma senhora, esqueci, e mais uma garotinha que era uma estreante de teatro."
    Essa garotinha que era uma estreante, se chamava Maria Tereza Becker, está nos arquivos da peça no Teatro de Arena de Porto Alegre. Era minha mãe e estou juntando arquivos da sua carreira, se tiverem alguma foto, relato que possa me ajudar, agradeço.

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