sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Sobre "Alô, Alô, Terezinha!", de Nelson Hoineff


O documentário Alô, Alô, Terezinha! de Nelson Hoineff não é sobre a vida de Abelardo Barbosa (1917/1988) ou uma investigação jornalística acerca da criação e produção de seu programa. É uma espécie de colcha de retalhos que pretende traçar um retrato humano do programa e seus participantes. São lembranças ao acaso, tendo como fio condutor as chacretes, artistas, profissionais de bastidor e calouros. O formato atiça a curiosidade do espectador. Mas o espectador que viveu a época, bem entendido. Fora de contexto, minha impressão é que a nova geração deve assistir Alô, Alô, Terezinha! como um documentário sobre alguém desconhecido, nas lembranças de gente mais desconhecida ainda. O que aparentemente seria o mérito do trabalho - dinamizar a narrativa pulando a parte histórica - acaba sendo o preço que se paga pela alienação do jovem, que no máximo saberá quem é Rita Cadillac por seus filmes pornôs.

Não me alongarei. No fim tive duas impressões muito claras. A primeira é de que houve uma vulgarização absoluta das chacretes. Ou melhor; valorizou-se a participação daquelas que têm podres a desfiar ou fofocas de alcova para compartilhar. É evidente que ninguém esperava que 10 ou 20 das mulheres mais lindas, sexys e desejadas da televisão nas décadas de 70 e 80 fossem virgens ou virtuosíssimas, mas eu mesmo assisti Chacrinha desde o fim dos anos 70 até sua morte, passando pela Discoteca, a Buzina e por fim o Cassino, e por mais que fosse apaixonado por todas elas e passasse os sábados (ou domingos e quartas, dependendo da emissora em que ele trabalhou) vidrado na TV admirando-as, sempre considerei seu programa um programa de classe. Era propositalmente esculhambativo e escrachado, mas dentro de um patamar inarredável de bom gosto. As chacretes eram infinitamente mais sensuais do que a tropa de vagabundas que infesta nossa mídia atualmente, e em momento algum vi qualquer apelação, banalização da moral ou desrespeito ao público infanto-juvenil que acompanhava o programa, que era vespertino. Jamais. Infelizmente, o documentário de Nelson Hoineff segue uma linha trash, estupidamente sensacionalista que dá, por vezes, ao público que não assistiu o Chacrinha, a impressão de que seu programa era um grande puteiro dos artistas e dos profissionais envolvidos na produção.

E em segundo, talvez por ser historiador, senti falta de uma abordagem mais histórica, mesmo. O maestro Aloir Mendes, o factótum Russo, Dona Florinda, Gilberto Gil e outros são olimpicamente desperdiçados. São pessoas com memórias e lembranças extraordinárias, sem preço, e que no documentário não passam de figurantes, com participações mínimas e sem qualquer valor. Gastam-se minutos com a blablação e a cantoria de calouros, em sua maioria desinteressantes e ridículos, e uma figura como Boni, que conhecia Chacrinha com a intimidade de poucos, aparece uma única vez durante segundos. Tempo precioso é gasto para que chacretes embarangadas dos anos 70 exponham suas misérias pessoais, como fazer programa ou gostar de bandidos, mas nada se comenta sobre aquelas que eram professoras de dança, universitárias, disciplinadas e dedicadas ao trabalho. Também não me passou desapercebida a quantidade mínima de imagens de arquivo, e sua baixa qualidade. Não é possível que não haja na Bandeirantes e na Globo programas dos anos 80 completos e bem conservados. Até as imagens da Tupi estão melhores.

O documentário sobre Chacrinha e as chacretes ainda precisa ser feito. Não para trazer à tona meia dúzia de chacretes relapsas em sua decadência ou em suas fraquezas, mas para que o povo entenda por que todos os apresentadores antes, durante e depois de Chacrinha tinham dançarinas, e no entanto só as chacretes são conhecidas, por seus nomes e pelo brilho que emprestavam ao programa. E não para expor Chacrinha como um velho sibarita que comandava um cabaré televisivo, mas contando a história do comunicador, do radialista e do homem de televisão que criou o mais maravilhoso programa de entretenimento da história da TV brasileira. Um programa que as emissoras até hoje tentam imitar desesperadamente, sem jamais conseguir recriar a magia emanada por Abelardo Barbosa e suas dançarinas. Um programa que lançava artistas novos, prestigiava os antigos, brincava com o público, zombando a um tempo consigo mesmo e com esse mesmo público, dando pão e circo, sem compromissos, sem preconceitos, sem regras e realizando uma façanha inigualável: a de entreter sem emburrecer.

2 comentários:

  1. A impressão ao fim e ao cabo do filme, na minha humílima opinião, é positiva, amigo Ber...O documentário não se propõe a contextualizar e sim acentuar essa crônica da decadência a que ele se pretende. É bastante superior ao outro do Hoineff sobre o Paulo Francis...Fui, inclusive, na festa de pré-estreia do filme e lá estavam as ex-chacretes (kkk)...

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  2. Se esse é o caso, o nome do documentário deveria ser trocado para "A decadência das chacretes dos anos 70". Esse documentário não é sobre o Chacrinha, não é sobre o programa do Chacrinha e não é sobre as chacretes. O que o diretor fez foi pegar dois exemplos isolados e transformá-los em regra para os fins sensacionalistas pelos quais o Hoineff já é conhecido, diretor que foi do inefável "Documento Especial", na extinta Manchete. Não me surpreende que o do Francis seja ainda pior. Só posso imaginar o que ele fará com o Cauby.

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