segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

"As Mãos de Eurídice", com Rodolfo Mayer


Meus caros, a excepcional rendição do Monólogo das Mãos, de Oduvaldo Vianna, por Bibi Ferreira no programa de Jô Soares em 2006 e em seu show Bibi in Concert III Pop, confundiu algumas pessoas, que pensavam estar ouvindo pela voz de Bibi o monólogo eternizado pelo falecido ator Rodolfo Mayer. Bem, vamos acabar de uma vez por todas com essa confusão. O Monólogo das Mãos é parte integrante da peça O Vendedor de Ilusões, de Oduvaldo Vianna, escrita para Procópio em 1931. Esse é o monólogo que - com ligeiras alterações - foi recitado por Bibi. Sobre ele, Décio de Almeida Prado disse tratar-se de um dos mais famosos "morceaux de bravoure" de Procópio, "uma tirada sobre as mãos, inspirada em Montaigne, em Balzac, em dezenas de outros autores, que se estendia por intermináveis minutos (um bife na linguagem teatral), percorrendo toda a via-crucis do homem até dar com ele no túmulo". (Procópio, Brasiliense, 1984)

Rodolfo Mayer
As Mãos de Eurídice é um monólogo em dois atos escrito por Pedro Bloch (1914/2004), ucraniano que veio ainda criança para o Brasil e se radicou com a família no Rio de Janeiro. Ele escreveu a peça em 1948 e a estréia ocorreu em 1950 tendo Rodolfo Mayer como protagonista. A história gira em torno de Gumercindo - Rodolfo - que foge com sua amante Eurídice e daí se desenrola a dramaticíssima trama. As mãos de Eurídice, propriamente - "mãos pedindo preces, mãos pedindo harpas, mãos pedindo asas, ternura e amor" - são citadas de passagem, entre os muitos outros atributos físicos da moça.

Rodolfo era paulistano, nascido em 1910, rádio-ator (fez centenas de rádio-novelas), ator de cinema (incluindo uma versão pré-histórica da "Escrava Isaura" de Bernardo Guimarães, em 1929), ator e diretor de teatro (começou na companhia de Procópio) e gozou sempre de grande reconhecimento por seu sólido talento.

Só tive a oportunidade de ver Rodolfo no fim de sua vida (morreu em 1985) em suas últimas novelas e em algumas participações no cinema, mas não me impressionei. Faço uma justa exceção ao estupendo Viagem aos seios de Duília, em que contracenou com Nathália Timberg e a saudosa Lícia Magna, mas em geral suas performances sempre me pareceram meio quadradas, próprias do ator que está acostumado com o palco e não consegue liberar seu talento em qualquer outro veículo, o que aliás acontecia também com Sérgio Cardoso. Considerava notável apenas sua dicção perfeita, tema de vários cursos que ministrou com Pedro Bloch. As pessoas que o assistiram ao vivo, seja em As Mãos de Eurídice ou em qualquer outro espetáculo, entretanto, eram rápidas em enaltecer seu extraordinário talento, o que chegava a me espantar.

Pra variar, eu estava muito enganado. Recentemente, tive acesso à gravação digitalizada de As Mãos de Eurídice, com Rodolfo Mayer, lançada em compacto duplo pela Festa em 1956. Que maravilha!
 
E como é lamentável que as pessoas da minha geração só conheçam Rodolfo pelas novelas insípidas que fez nas décadas de 70 e 80! Rodolfo é um verdadeiro gênio! A gravação não é nenhuma Brastemp e é frustrante apenas ouví-lo sem poder ver todo o leque de expressões e emoções que acompanhou as centenas de modulações de voz com que ele vai destrinchando o texto de Bloch. Mas sua interpretação é envolvente, empolgante, intensa, comovente e nos põe em contato direto com o leão que esse homem elegante e meigo se tornava no palco.

Paulo Autran
Paulo Autran costumava dizer que não se inspirou e ninguém para compor sua persona teatral. Acredito. Mas eu posso jurar que Paulo se inspirou, e muito, na maneira exemplar de Rodolfo falar. Aqui e ali é como se eu estivesse ouvindo Paulo, e não Rodolfo. E não é de admirar, porque As Mãos de Eurídice parece ter sido composto para quebrar recordes. Ocupa o glorioso segundo lugar no ranking das peças mais apresentadas no Brasil em todos os tempos. Rodolfo apresentou o monólogo 4 MIL VEZES! Só perde para Procópio e o Deus Lhe Pague de Joracy Camargo, apresentado 5 mil vezes (peças como Trair e coçar é só começar não entram nessa contagem porque tiveram inúmeras mudanças de protagonistas).

Mayer, Procópio, Lourdes Mayer (esposa de Rodolfo e irmã de Zilka Salaberry) e Pedro Bloch

Pedro Bloch com As Mãos de Eurídice e Guilherme Figueiredo com A Raposa e as uvas, aliás, são os autores brasileiros mais traduzidos e apresentados no exterior em todos os tempos.

Pedro Bloch
Para terminar, algumas palavras de Pedro Bloch sobre sua peça mais célebre, em depoimento ao SNT, em 1975. O grande escritor mostrava, na época, uma mistura de choque, pelo sucesso absolutamente maciço de seu monólogo no mundo inteiro, com um certo enfado por ter que se reportar eternamente à peça, sendo autor de vários outros textos de valor igual ou maior :

Em Mãos de Eurídice não gostaria de mexer. Porque, apesar dos defeitos dela, da pseudo-cultura, do tipo que vomita uma cultura artificial e primária, porque ele é assim, é um homem comum, dono de uma cultura média e banalizado pela vida, apesar disso tudo não mexeria. (...) Eu gostava do sucesso. Hoje não agüento mais, compreende? Eu gostava, achava a peça realmente muito boa, as reações eram tremendas. Ficou provado na crítica internacional que ela foi precursora de uma série de coisas. Novidade em teatro não existe, como não existe novidade em nada. Mas foi precursora da agressão ao público, da participação do público, do indivíduo colocando-se na platéia.

Dito isto, trago com a maior alegria para vocês o mestre Rodolfo Mayer, mais de meio século depois de gravado este compacto duplo, em gravação histórica (e inédita em cd) de As Mãos de Eurídice, de Pedro Bloch. Deleitem-se, clicando AQUI (link renovado).

5 comentários:

  1. Consegui um LP (vinil) e já o digitalizei.Assisti, quando criança, aqui no CEARÁ o meu primeiro espetáculo "As mãos de Eurídice", com... não sei que ator, mas desconfio que seria o próprio Rodolfo Mayer. Entrei no teatro/auditório pensando em ver um espetáculo de mágica (pela evidência das mãos)... Felizmente não era. A mágica até hoje é a que me transformei em ator de teatro a partir daquele instante. Hoje, já estou ensaiando o monólogo, meu primeiro! Quero estrear ainda este ano e pretendo apresentá-lo até quando der!

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  2. Não consegui ouvir... Mas gostaria muito... Tenho outra opção?
    Abraço
    manoellima

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    Respostas
    1. Manoel, tente de novo. O link de download foi renovado. Abraço

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  3. Parabéns pelo Blog Bernardo Schmidt. Estou ensaiando As Mãos de Eurídice e fazendo pesquisa cheguei até o seu Blog e adorei. Belíssimo e profissional trabalho. Muito bom mesmo!
    Manoel Lima

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